Nas últimas semanas, uma amiga colocou no Facebook uma questão sobre os candidatos em quem votaríamos para o legislativo. Outra escreveu em seu blog um breve artigo explicitando sua opção para a presidência. E aqui estou eu, pensando no assunto (política/eleições) de novo.
Acontece que hoje, durante o dia, me ocorreu um pensamento que talvez tenha decidido minha escolha para o segundo senador em quem votar. Lembrando: nesta eleição, votaremos para dois candidatos ao Senado. Embora o título deste post já explicite em quem eu pensei hoje, quero pedir ao leitor que segure o escárnio ou a indignação por mais alguns instantes, para que eu possa apresentar alguns argumentos, e espero que ao menos eles estimulem alguma reflexão. Não estou aqui fazendo campanha, não tenho sequer a intenção de convencer ninguém. Mas fomentar um debate que precisa sair do esquema "torcida de futebol" e ganhar alguma seriedade.
Então vamos lá: resolvi votar em Netinho. Pensando que isso é inteiramente coerente com o que venho pesquisando e defendendo intelectualmente e politicamente. Um primeiro argumento, raso, seria dizer que estudo os sambistas e por isso o apoio ao Netinho, ex-integrante de um grupo de samba e ainda tachado de "pagodeiro" (com toda a carga pejorativa que o termo carrega). Se assim fosse, eu estaria admitindo que tenho com os sambistas uma relação de mera curiosidade, que os encaro de uma maneira "folclórica", como algo inteiramente alheio à minha realidade e, mais do que isso, meramente "exótica", divertida, excêntrica.
Vai daí um primeiro problema: um dos argumentos de minha tese é exatamente que a manifestação por meio do samba pode ser, com bastante proveito, entendida também em termos políticos. Desde que, para isso, ampliemos o significado que damos a "político", além dos jogos partidários e das disputas eleitorais.
Netinho era absolutamente político quando cantava "essa gente já sofre demais/ são tratados como animais / e só querem um pouco de paz / e precisam ouvir Racionais". Também era político, à sua maneira, quando fazia seu programa televisivo (não preciso concordar com o que o programa realizava para considerar "político" em certo sentido). Mas é absolutamente significativo que ele tenha passado à ação política formal, convencional até.
Para mim, sua candidatura parece algo novo, porque Netinho não se vale simplesmente de sua popularidade como cantor, mas de sua sempre enfatizada origem e história de vida. E seu discurso não é o de um "humilde" que venceu na vida e ponto. Este seria o argumento perfeito para ele se lançar por qualquer outro partido oligárquico-liberal, já que estaria apenas repetindo o mantra do "self made man" burguês. Sua vivência não lhe permite isso, e uma rápida olhada em seu site confirma isso. Ele tem consciência de sua condição de oriundo da periferia metropolitana, de uma realidade cruel e implacável com a maioria de seus residentes. Sabe que é uma exceção e não se conforma com isso. E, como sua campanha já destaca, é um candidato negro ao senado por São Paulo. Fato inédito, e isso não é pouca coisa.
Sua candidatura tem, guardadas as proporções, o significado da de Lula, no sentido de que é uma figura oriunda de uma classe que raramente tem voz ativa nessa nossa vida política brasileira. Uma prova disso? A permanente desqualificação que lhe é dirigida. Os jornais que se referem a ele (um vereador de São Paulo) como "pagodeiro", entre outras tentativas de lhe retratar como uma figura risível, ridícula e desprezível. Mas ele está lá. Como a própria periferia, ele se faz presente e se impõe mesmo contra a imagem que tenta associar sua figura sorridente à de um bobo. Mas não acho que ele seja bobo: vindo de onde vem, é antes de tudo um sobrevivente.
Nossa elite, e na cola desta a nossa classe média, tem demonstrado uma incrível incapacidade de reconhecer um papel ativo e consciente aos oriundos das "classes populares". Continua achando que os pobres são inconseqüentes, apáticos, passivos. Acostumada a ver os "de baixo" como figuras infantilizadas (ou até imbecilizadas), incapazes de decidir por si próprias e de se representar. É contra essas imagens todas, ainda tão presentes e arraigadas no senso comum, que resolvi dar uma chance a essa parcela da população de alcançar algo que, possivelmente há alguns anos, seria impensável: um senador negro originário das camadas mais pobres da população urbana brasileira. Quantas vezes tivemos senadores com essas características?
Será muito bom ter um senador que declara que "Eu conheço a dificuldade das pessoas e não é através de estatística ou notícia de jornal. Eu vivi isso". Será bom que o Senado ouça mensagens desse tipo, e saber que não mais poderá dizer o que bem entender de uma população que pouco conhece.
E ao declarar a intenção de votar nele, não estou supondo que ele acertará (segundo meu ponto de vista) em tudo, que não poderá errar. Depositarei nele um voto, sim, e não as esperanças de redenção. Errando ou acertando, é fundamental que a população que ele pretende representar se sinta capaz de alcançar as instâncias políticas em que sua voz necessariamente se fará ouvir. Mesmo com eventuais discordâncias em relação a propostas ou ações que ele desenvolva, quero apoiar uma candidatura de alguém que, vindo "de baixo" (e eu tenho estudado com afinco as ações de pessoas como ele), faça do "povão" protagonista de fato da política nacional. Errando ou acertando: do mesmo jeito que eu sempre acreditei que a democracia só se aprende praticando, acho também que só exercendo a política o povo poderá adquirir a tão falada "consciência política". Se é que já não a tem.