18 de fevereiro de 2013

O Neo-higienismo


Se Brecht viveu em tempos sem sol, é possível supor que os tempos em que vivemos são de uma preocupante penumbra. Há muito o que comemorar pelo fim da "Era Serra-Kassab", mas apenas a eleição de Haddad não é suficiente para acreditar que os tempos "neocons" estão ultrapassados.
É que a onda conservadora há muito nos atingiu em terras paulistas. Tem muitos exemplos disso (veja alguma folha qualquer por aí, no estado em que encontrar, e você terá amostras de sobra). Mas o que interessa aqui é tratar de um aspecto particular desse conservadorismo que diz respeito especificamente ao espaço urbano brasileiro. Resolvi chamar esse fenômeno de "neo-higienismo", por ter grandes e preocupantes semelhanças com a ideologia do início do século passado.
Este é apenas um post introdutório, e pretendo deixar o leitor com a pergunta no ar. "Higienismo"? Que é isso? Para quem não quiser esperar futuros posts sobre o assunto (não sei quando virão...), sugiro buscar a palavra nas revistas online disponíveis no site Scielo, onde uma série de artigos importantes de pesquisadores de História da Ciência e/ou da Arquitetura e Urbanismo tratam do assunto. Ou, se o leitor me permite um pouco de autopromoção, o assunto é mais longamente discutido em minha dissertação de mestrado. Para quem se contenta em tomar agora apenas o aperitivo enquanto aguarda o prato principal, fica uma primeira tentativa de "definição", sem muito rigor acadêmico: higienismo pode ser entendido aqui como uma ideologia que legitima com a ideia de "saúde" a intervenção no espaço urbano, não importa quão autoritária seja, convertendo em uma questão médica o que seria fundamentalmente uma questão social (humana) - portanto política. Algumas características dessa ideologia:
  • A vinculação entre saúde e moralidade;
  • A dicotomia entre "o bem de todos" e o "interesse individual(ista)";
  • O discurso científico como fuga ao debate político;
  • Truculência e intransigência na intervenção urbana.
Na medida do possível, e da forma mais sucinta que eu for capaz, tentarei futuramente discutir esses pontos, que merecem atenção. Se ficar devendo por muito tempo, por favor cobrem!

Uma "nova" marginal sob os velhos conceitos

Em 2009, foi divulgada moção contra o então projeto de ampliação da Marginal Tietê proposto pelo governo e prefeitura de São Paulo. A moção foi voz dissonante e voto vencido, a marginal foi realizada. E a maior parte das críticas ali feitas se mostrou acertada. Por isso, vale a pena rever esse texto, e que fique registrado que São Paulo nem sempre quer ser o horror - só seus donos querem isso.



MOÇÃO SOBRE A NOVA MARGINAL, SEUS DESDOBRAMENTOS E SUAS ALTERNATIVAS


ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS (AGB); SINDICATO DOS ARQUITETOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SASP), ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ARQUITETOS PAISAGISTAS (ABAP), GRUPO DO PATRIMÔNIO DO INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL - SP, MOVIMENTO DEFENDA SÃO PAULO

texto criado e escrito pelo arq. José Fabio Calazans e a geografa Regina Bega com importante colaboração arquitetos Saíde Kahtouni, Vasco de Mello e Daniel Amor.

SEGUNDO SEMESTRE DE 2009

Nós, arquitetos, urbanistas, planejadores, geógrafos, arquitetos paisagistas, engenheiros, ecologistas urbanos, ambientalistas, outros profissionais afins e participantes dos Movimentos Populares da Cidade, abaixo assinados, achamo-nos no dever profissional, cultural e cidadão de manifestar a nossa total perplexidade e repúdio ao projeto e às obras ainda no início da Nova Marginal do Tietê, com drásticas conseqüências à “Ordem Urbanística” e ao Meio Ambiente, não só da Capital, mas de toda a Metrópole de São Paulo. Por este projeto, esta via, ao longo de vinte e três quilômetros, a partir do Cebolão até a região da Penha, fica quase que totalmente destinada aos veículos que simplesmente cruzam a cidade, com a possibilidade de cobrança de pedágio nas chegadas e saídas, sendo que esta função tinha sido atribuída exclusivamente ao rodo-anel..

Além disso, nos manifestamos contra o fato deste projeto não ter sido debatido amplamente com a Sociedade Civil, considerando que circulariam, hoje, pela Marginal do Tietê cerca de 700 mil veículos/dia sendo que a sua capacidade atual seria de 350 mil/dia, dado que mostra a gravidade deste problema para a cidade. Tal fato exigiria, pelo menos, o acompanhamento pela Sociedade Civil na elaboração dos projetos que demoraram mais de ano para serem finalizados, para não falar das exigências de se respeitar o artigo 180 da Constituição Estadual que assegura a participação das Entidades da Sociedade Civil na definição das diretrizes e normas nos estudos e soluções dadas, bem como nos seus encaminhamentos para a elaboração de programas, planos e projetos que lhe são concernentes.

Protestamos, também, pelo fato de apenas o Governo Municipal ter realizado uma única Audiência Pública, que além de mal convocada, teve uma dinâmica que não possibilitou o debate, como podem mostrar as gravações. Isto demonstra que os atuais governantes não querem usar as soluções apontadas a partir do Plano Diretor em vigor, que prevê a construção de duas vias paralelas às marginais leste-oeste do Tietê, em boa parte do trecho da Nova Marginal, para contribuir com a diminuição do tráfego da Marginal atual, auxiliando para retirar da mesma o tráfego de caráter local e sub-regional e, ainda, permitir o seu uso como variante em caso de necessidades emergenciais.

Protestamos, ainda, pelo fato de que as comparações com estas alternativas, atendendo as exigências do EIA RIMA, terem sido feitas com uma análise que compara a diminuição do fluxo de passagem (com a construção da Nova Marginal) com a simples consequência no tráfego da Marginal, caso sejam construídas as vias de apoio norte e sul e algumas variantes. Comparações feitas a partir do raciocínio de que sejam simples avenidas, sem examinar no que elas possam se transformar se nelas forem aplicados os recursos destinados à Nova Marginal Isso muda por completo o que é possível se construir nestas vias de apoio e em eventuais variantes.

Propomos, portanto, a possibilidade de um acordo, atendendo as exigências legais de que é necessária a apresentação de uma alternativa e, atendendo, também, o artigo 180 da Constituição Estadual, para que seja composta uma equipe em parceria com técnicos e representantes da DERSA, do Governo Estadual e do Governo Municipal, junto com igual número de delegados representantes das Entidades da Sociedade Civil, que têm lutado por outro encaminhamento na solução dos problemas de tráfego na Marginal do Tietê. Esta equipe terá como atribuição a definição das diretrizes e normas a serem respeitadas na construção das vias de apoio norte e sul, desde que também sejam aplicados nestas vias paralelas às marginais e sua variantes, os mesmos recursos destinados à Nova Marginal, de acordo com normas e diretrizes a serem obedecidas por todas as alternativas estudadas, inclusive as simples adequações das marginais atuais.
Desde já submetemos aos Governos Estadual e Municipal algumas diretrizes e normas que deverão ter que ser decididas por ambas as partes por qualquer uma das alternativas estudadas:

1.Tendo em vista de que qualquer alternativa que for adotada, todas as soluções encontradas deverão estar de acordo com um Plano Global de Circulação da Metrópole cujas diretrizes e normas deverão também ser elaboradas por uma equipe em Parceria entre Estado e Sociedade Civil e serem aprovadas pela Assembléia Legislativa em regime de urgência, mas com a devida participação popular.

2.Independente de qual for o partido adotado para a estruturação dos vários níveis da circulação na Metrópole, consideraremos, desde já, ser uma característica estrutural da Região Metropolitana de São Paulo a criação de um Parque Linear Urbano Metropolitano dos dois lados do rio, com diferentes desenhos em cada trecho, mas mantendo uma Unidade no seu desenho global, independente das características espaciais e paisagísticas de cada trecho. Este parque deverá proporcionar melhor qualidade paisagística com o seu desenho urbanístico, podendo integrar-se ao rio, que futuramente estará limpo!

3.Deverão ser respeitados os canteiros centrais, pelo menos em grande parte, e as distâncias das pistas em relação ao inicio do talude do canal do rio.

4.Não deverá ser destruída a possibilidade da navegabilidade do rio Tietê e a construção de portos e atracadouros no trecho estudado entre a Penha e o “Cebolão”

5.A solução encontrada para o trecho entre a Penha e o “Cebolão” deverá estar de acordo com uma estratégia de médio longo prazo de desativação das marginais e liberação do rio Tietê

6.No caso do estudo detalhado das vias paralelas ao Tietê, as pistas deverão ser construídas parte em fluxo contínuo e parte como avenidas locais e regionais organizadoras das tramas urbanas de suas regiões.

7.Será considerada como ponto de honra que a solução encontrada permita a formação de corredor ou corredores de transportes coletivos, que sejam parte integrante do Plano de Circulação da Metrópole e que tenham a possibilidade de se articular com os sistemas transversais norte e sul que se interligam ao Centro da Capital e ao futuro parque linear metropolitano.

8.Quaisquer das hipóteses encontradas deverão permitir a formação de um circuito integrado de ciclovias.

9.As soluções encontradas deverão ter um resultado equivalente à retirada de todo o tráfego de passagem pela Metrópole, até que o rodo-anel possa ser inaugurado.

10.Serão reestudadas as novas alças do complexo Ponte das Bandeiras e Cruzeiro do Sul, de tal formam que elas tenham um traçado urbano e não rodoviarista, que integrem assim o passado e o futuro.

11.Além disto, elas não deverão obedecer no seu dimensionamento as pesquisas de origem e destino atuais (transformados num fetiche), mas os dimensionamentos previstos com a implementação do novo Plano Diretor Global de Circulação na Metrópole.

12.Na necessidade da construção de novas pontes reveladas por este Plano Global as pontes deverão ser desenhadas como Obras Urbanas como a Ponte das Bandeiras e não como obras de arte rodoviaristas.

13.Há, também, importantes questões geográficas e ambientais em jogo, e que devem ser respeitadas, relacionadas à circulação da população em geral, à hidrografia e aos fatores climáticos (incluindo a poluição, o micro-clima e as ilhas de calor, que poderão se agravar consideravelmente, com o aumento da impermeabilização e a diminuição da cobertura vegetal com o mar de pistas de asfalto, quase sem nenhum sombreamento), não suficientemente aprofundadas e discutidas pelos estudos ambientais no processo de licenciamento das obras em curso. Além de outros aspectos relacionados à maneira açodada, indiscriminada e mal planejada de derrubada das árvores ali plantadas e a proposta de replantio em outras áreas que, ou não comportam tal adensamento, ou poderão ficar distantes e isoladas da dinâmica desta região central da Metrópole e de seus habitantes.

Vimos, desta forma, manifestar igual repúdio à construção de duas alças de acesso para fazer a ligação entre a via expressa da Marginal do Tietê e duas avenidas locais (Av. Tiradentes e Av. Cruzeiro do Sul), que vai afetar profundamente a visão da Ponte das Bandeiras, uma ponte tombada como patrimônio histórico da nossa cidade.

As duas alças viárias pretendidas constituem-se em equívoco maior por diversas razões urbanísticas. Primeiramente, por basear-se em uma premissa estreita, que é reduzir a questão à solução de um problema de tráfego veicular, ou seja, eliminar pontos de estrangulamento de tráfego. Ora, desafoga-se aqui, empurrando para adiante o ponto de estrangulamento – pois a quantidade de veículos circulando não diminui com essa providência. Segundo equívoco: para “empurrar” para outro local o ponto de estrangulamento, projeta-se outros viadutos.

O projeto das duas alças carece de um mínimo de sensibilidade e de compreensão do que seja o caráter da paisagem urbana paulistana daquele trecho da cidade, pois se intromete nas visadas do conjunto da Ponte das Bandeiras, a mais bonita e bem composta, do ponto de vista arquitetônico, das pontes que atravessam todos os rios da cidade de São Paulo.

Outro equívoco: as duas alças foram projetadas considerando, certamente, um fluxo de veículos por hora nestas duas vias e nos períodos de pico, supondo que as Avenidas do Estado, Anchieta, Imigrantes, Vinte e Três de Maio, Nove de Julho e Consolação continuem trazendo todo o tráfego, desde Ribeirão Pires e todo o Grande ABC, além de toda a periferia da Capital na zona sul e sudoeste, para se encontrar no Centro Histórico de São Paulo. Isto de tal forma que, necessariamente, todo este tráfego vai congestionar e atingir as marginais unicamente pelas Pontes da Bandeira e Cruzeiro do Sul, como se não tivéssemos a inteligência de refazer a estrutura metropolitana - para que estes eixos, de suma importância para a cidade, não confluam mais de forma radial e concentradora para o Centro da Capital – criando-se, assim, novas Centralidades ao longo do Parque Linear e Urbano do Tietê, e dentro dele, de modo a espalhar o tráfego pelas vias transversais ao Parque Metropolitano.

Ora, com a possibilidade de criação do Parque Linear Urbano e Metropolitano, dentro de área urbana, transformado em espinha dorsal de toda a estrutura metropolitana, tornar-se-ia possível desviar os eixos que convergem para o Centro da Capital para que se dirijam, em pontos diferentes, para a grande praia metropolitana, onde existirão novas centralidades em cada cruzamento com eixos transversais, que poderão sempre ligar o extremo norte ao extremo sul da trama urbana continua da metrópole. As pesquisas de origem e destino que certamente foram usadas para estes projetos das duas alças perderiam e perderão assim o seu valor aparentemente científico.

Diante de todos estes aspectos, manifestações e proposições, vimos apoiar a petição da Ação Civil Pública para sustação das obras da “Nova Marginal”, destacando para o Poder Judiciário a importância da Liminar, para que se possa fazer um estudo em comum destas e de outras diretrizes para se elaborar um Projeto detalhado das vias de Apoio Norte e Sul, a partir do Plano Diretor e suas eventuais variantes dentro do traçado e do Plano Diretor Global de Circulação a ser elaborado para toda a Metrópole. Os recursos orçados para a construção da Nova Marginal poderão assim ser utilizados para que sejam viabilizadas as duas soluções, com vias de transporte contínuo, duas grandes avenidas ordenadoras do sistema viário em toda a sua extensão, dois corredores de transportes coletivos com alta qualidade e articulados com os eixos norte e sul e que levem ao Centro da Capital e ao futuro Centro Metropolitano, dentro do Parque Linear Urbano e Metropolitano do rio Tietê, e dois sistemas integrados de ciclovias, valorizando também paisagisticamente as margens do rio em seu trecho urbanizado.

Portanto, fazemos um apelo ao Judiciário para que se cumpra a lei, concedendo a Liminar, enquanto é tempo, obrigando o Governo Estadual e Municipal a estudar uma alternativa, como exigem os EIA-RIMAS, para a diminuição do tráfego da Marginal, tanto quanto seria diminuído com a Nova Marginal, privilegiando-se o estudo detalhado das duas vias de apoio paralelas ao rio, parte da lei maior da cidade (Plano Diretor) e que se integrem a um Plano Diretor Metropolitano de Circulação Global para a Metrópole para qualquer uma das duas alternativas. Além disso, o nosso apelo é para que se definam as providências pioneiras para que seja constituída uma equipe paritária, com quorum qualificado, tomando as decisões necessárias para a definição das diretrizes e normas dos planos e projetos a serem elaborados pelos Governos conveniados.

O caráter de todas estas conclusões e proposições exige que se tomem imediatamente as medidas para a paralisação das obras e das suas propagandas enganosas e maciças, apresentadas nas emissoras de rádio da Metrópole, segundo as quais o paulistano vai receber mais seis pistas na Marginal e o tempo de viagem será reduzido à metade.

Acreditamos que a realização dos necessários estudos simultâneos, possa fazer parte de uma estratégia de médio e longo prazo, que tenha como resultado a liberação do Tietê de suas marginais ainda na metade deste século. Com isso, poderá se tornar viável para todas as classes sociais a ampla liberdade de circulação por toda a metrópole, assegurando a possibilidade de acesso a transportes coletivos adequados e o resgate dos córregos e rios mais importantes. Tudo isso, sem prejuízo de que mais cidadãos possam ter os seus automóveis cada vez mais baratos, mas sem competir com a universalidade dos transportes coletivos e acessibilidade e mobilidade para os pedestres, considerando-se todos os moradores da metrópole de todos os extratos econômicos, inclusive com sistemas de transporte de bairro capazes de trazer os sistemas de circulação inter-regionais até cada unidade de vizinhança.

Assim, estaremos nos alinhando àquelas grandes metrópoles do mundo – veja-se o recente exemplo da cidade de Seul, Coréia, visitada pelo Prefeito de São Paulo no mês de maio – aonde os rios vêm merecendo tratamento oposto: como marcos hidrográficos e estruturais do território urbano, e apropriados como elementos de qualificação da paisagem e da estruturação urbana, inibindo-se a conexão com o automóvel e incentivando a conexão com os transportes coletivos inclusive fluviais, com o pedestre, com a vegetação e os Espaços Urbanos. São ações que, se realizadas, possibilitarão, a médio e longo prazo, devolver o rio Tietê ao pedestre e às circulações de dentro do Parque, com sua extensão de noventa quilômetros, desde Mogi das Cruzes até Itapevi, articulando-se estas vias internas aos futuros portos do rio, que poderá e deverá ser navegável nas próximas décadas.

Metrópole de São Paulo, 1 de setembro de 2009

Escadaria musical


Hoje já não é tanta novidade, mas quando postei pela primeira vez, no blog Cidade Artefato, tinha acabado de ser realizada esta intervenção.

Interessante como vem se difundindo essa prática de uma forma de arte que consiste essencialmente em subverter a "ordem cotidiana" da vida nas cidades!

A ação, feita em conjunto pela agência de publicidade DDB e pela Volkswagen, foi implantada em um metrô de Estocolmo, na Suécia.
Imagine que você está descendo as escadas do metrô, como faz habitualmente todos os dias, e começa a ouvir sons de piano, tocados em ritmo que vai de acordo com os seu passos. Essa foi a proposta da agência de publicidade DDB
em uma parceria com a Volkswagen.

As duas empresas se reuniram para criarem um experimento chamado, Fun Theory (algo como "teoria divertida", em inglês), uma tentativa bem ambiciosa de tentar mudar os hábitos sedentários dos moradores da capital da Suécia, Estocolmo.

Para isso, transformaram as escadas de uma estação de metrô em um piano, o que aumentou surpreendentemente o uso das escadas em 66%.
O resultado você confere no vídeo.


A cidade que não dorme vs a cidade que precisa dormir


Há algum tempo, e de forma cada vez mais intensa, tem-se conflagrado um conflito em São Paulo, entre as atividades noturnas, especialmente festas, bares e “baladas”, e o descanso dos moradores de áreas residenciais. O que este conflito revela é essencialmente a necessidade de se aprimorar a regulamentação das atividades noturnas, principalmente aquelas potencialmente geradoras de ruídos. Digo aprimorar porque, na minha opinião, não se trata de estabelecer controles mais rígidos, punições mais severas ou intensificar a vigilância, mas realmente buscar soluções que compatibilizem as duas coisas.
No fundo, trata-se de um conflito entre duas imagens muito fortes da cidade de São Paulo, duas ideologias que talvez já tenham estado mais harmonizadas em outros momentos. O conflito mostra como que a quebra de um acordo, a ruptura de um pacto que antes permitia que a “cidade do trabalho” fosse também a “cidade que não dorme”. É hora de se pensar então em um rearranjo, e para isso a questão precisa ser encarada sem maniqueísmo, sem tentar apontar quem está certo e errado na polêmica.

A cidade que não dorme
A vida noturna, a gastronomia, parte importante do circuito cultural, são alguns exemplos de atividades que se desenvolvem em São Paulo durante o período noturnos. Além desses, diversas atividades de apoio ou suprimento das atividades diurnas ocorrem também à noite: abastecimento de estoques, manutenção predial ou de infraestrutura urbana, de redes eletrônicas, etc, requerem essa diminuição da atividade que caracteriza o “horário comercial”. Até mesmo os serviços “24 horas” têm-se tornado cada vez mais frequentes e úteis. São talvez menos numerosas do que as atividades diurnas, mas nem por isso menos importantes no contexto da economia atual – a chamada “economia digital”, ou a “sociedade da informação” e a globalização, em que se costuma considerar a necessidade de conexão em tempo real ininterrupto (a noite daqui é o dia do outro lado do mundo).
Essas atividades econômicas assumem ainda maior importância em uma cidade que cada vez mais deixa de ser uma metrópole industrial para uma de serviços. Está claro então que o problema não é que essas atividades existam e aconteçam, mas o quanto elas atrapalham quem vive a rotina do trabalho diurno e acessa apenas ocasionalmente essa rede noturna.
Essa vida noturna tem também um outro papel na cidade, e esse é menos reconhecido: o de segurança. Onde há pessoas, a sensação é de que há a quem recorrer em caso de necessidade, de que é possível transitar sem medo, há certa intimidação daqueles que poderiam se aproveitar do escuro e do vazio para os delitos. Não é que esta seja a solução para a segurança pública, mas a contribuição do simples burburinho das ruas tem sido notado já há muito tempo – pelo menos desde que Jane Jacobs publicou seu livro Morte e vida de grandes cidades.

A cidade que precisa dormir
Mesmo quando passou a denominar “a cidade que não para”, ou como diz a música, a “cidade que não sabe adormecer”, São Paulo associou esse dinamismo ao trabalho, não ao lazer. Não era e não é a cidade boêmia, mas aquela em que o trabalho não cessa. Numa cidade que fez do trabalho o cerne de sua identidade, parece impensável que atividades tidas como meramente de lazer ou diversão adquiram precedência – mesmo quando, como dito antes, essas atividades também sejam trabalhos e tenham sua importância econômica. Neste aspecto, parece que o que se questiona não é senão o fato de que elas ocorram muito próximas a áreas residenciais em que, em sua maioria, as pessoas fazem uso do horário noturno para descanso. Os ruídos noturnos passam a ser uma interferência inapropriada e um transtorno. Particularmente em relação aos bares e estabelecimentos que comercializam bebidas, alega-se que contribuem para a violência, os acidentes automobilísticos, o tráfico de drogas. Este argumento é relativamente verídico, mas também é verdade que nele reside tanto uma preocupação pública quanto um julgamento moral (ou moralista) dessas atividades noturnas.
O problema, portanto, não é outro senão o contato num mesmo espaço entre essas duas apropriações da cidade. A “cidade que precisa dormir”, até agora tem vencido a querela: a maioria dos bares fecha à 1 da manhã, música ao vivo ou em alto volume só podem se estender além das 22h mediante a garantia de não emitir além de um nível de decibéis relativamente baixo. Por outro lado, o crescimento do número de reclamações pelo barulho mostra que também a vida noturna “invade” as áreas de repouso.
Na realidade, é difícil afirmar quem invade o quê. O que dita a expansão da ocupação residencial tem sido, tradicionalmente em São Paulo, muito mais o interesse do mercado imobiliário do que uma concepção coerente dessa ocupação. Os moradores são os menos responsáveis por isso – no máximo, constituindo uma “demanda” com que o ramo imobiliário justifica todo e qualquer novo empreendimento – mas os que acabam sofrendo diretamente o efeito de uma ocupação desorganizada (não exatamente desordenada, como se costuma chamar: a ordem estabelecida só não é a do planejamento urbano, e sim do lucro imobiliário).
Se a vida noturna se aproxima cada vez mais das áreas residenciais, também é porque estas se aproximam dos polos geradores de ruído, e que estão ligados diretamente aos pontos de maior acessibilidade – vias de tráfego principais nos bairros, proximidades de terminais ou estações de metrô, etc. A irritação com o barulho é causada também pela circulação muito próxima de veículos, mas estes não têm como ser responsabilizados pelo distúrbio ao descanso, o que não ocorre com estabelecimentos comerciais.

A questão do ruído
Sem pretender tratar de um assunto em que não sou especialista, quero observar que o ruído, como tem sido tratado pela legislação e pela vigilância, virou uma questão apenas do emissor, quando também o receptor deve ser levado em consideração.
Para facilitar o entendimento, vou dar um exemplo de outro tipo de poluição, a do ar: além do controle da poluição emitida, monitora-se também a qualidade do ar que recebe essa emissão. Onde a qualidade está mais prejudicada, teoricamente deve-se dificultar a instalação de novos emissores, mesmo que estes atendam aos níveis recomendados.
No caso dos ruídos, não temos nenhuma ideia do nível de ruído ambiente, e isso obriga a um enrijecimento do controle sobre a fonte. Porém, o incômodo causado por uma fonte sonora é proporcional à proximidade desta em relação a quem vai ouvir o ruído. Há técnicas para medir a “curva de decaimento” do som conforme se afasta dele, e é isso que tem permitido que a questão do ruído seja tratado tecnicamente em avaliações de impacto ambiental, por exemplo.
Assim, a adequação do ruído emitido ao entorno, no período noturno principalmente (mas, pensando bem, não só) deveria considerar essa distância do local às áreas residenciais, onde predomina o descanso noturno. E as atividades geradoras de ruído noturno (ou seja: locais com tráfego intenso, causadores de aglomerações humanas ou que tenham música ao vivo ou em alto volume) teriam que condicionar a emissão de ruído ao exterior à proximidade de áreas residenciais.

Superando o impasse
Uma forma de resolver o conflito sem que a “cidade que não dorme” tenha que submeter a “cidade que precisa dormir” (ou o inverso) poderia ser a aplicação dos instrumentos clássicos de planejamento urbano a esta questão – por exemplo, um “zoneamento acústico” da cidade:
  1. Inventário de fontes de ruído: as atividades potencialmente causadoras de barulho noturno seriam identificadas e classificadas, estabelecendo um “ranking”. As atividades seriam responsabilizadas também pelo ruído causado indiretamente, por eventuais aglomerações no seu entorno, quando relacionadas à própria atividade (por exemplo: casas de espetáculo seriam também responsáveis pelo barulho causado do lado de fora com estacionamento, filas, etc.)
  2. Diagnóstico: caracterização das condições de conforto acústico diurno e noturno de toda a cidade, identificando áreas ruidosas e áreas silentes.
  3. As “áreas ruidosas”, ou seja, as que já apresentam níveis mais elevados de ruído ambiental difuso, teriam dificultada a instalação de empreendimentos imobiliários residenciais. Inversamente, seria possibilitada a instalação de estabelecimentos mais ruidosos, contanto que a contribuição ao ruído ambiente fosse tal que os níveis totais não ultrapassassem o permitido por legislação ou referenciais técnicos adequados.
  4. As “áreas silentes”, ou com baixo ruído ambiental, seriam privilegiadas para a implantação de residências, e nelas os estabelecimentos noturnos deveriam obedecer a padrões mais estritos de emissão de ruído.
  5. Correlação emissão – recepção: as áreas residenciais seriam mapeadas para se criar “curvas de decaimento” a partir das quais seria possível indicar os níveis aceitáveis de ruído emitido pelos estabelecimentos, fazendo com que os mais ruidosos tenham que se afastar mais das áreas residenciais, ou realizar maiores adequações para isolamento acústico ou soluções afins.
Enfim, isto é apenas um esboço. Mas mostra que é possível que em São Paulo convivam as duas faces da cidade – a que não dorme e a que precisa dormir.

A cidade para todos. TODOS.


Precisamos retomar Bertolt Brecht. O poeta e dramaturgo alemão que foi um dos mais ácidos críticos do nazismo antes da Guerra (destaque importante, porque criticar depois é muito fácil, fácil até demais) tem me parecido cada vez mais atual e necessário. Uma bruma de intolerância, hostilidade e isolacionismo paira sobre nossa sociedade, alimentada por um moralismo arcaico, uma religiosidade burocrática (porque voltada ao comportamento e não ao autoconhecimento), um individualismo extremado e uma preguiça mental atroz. Idéias preconcebidas e que mal resistem a um mínimo de exame são mantidas e ganham força pelo simples fato de que não são desdobradas em suas consequências menos imediatas.
Sinal desse clima sombrio é o tratamento que recebem, nos dias de hoje, pessoas e grupos sociais que ousam assumir e declarar um tipo de comportamento qualquer que fuja de certo padrão do que é considerado correto, saudável ou "normal", "natural". Fumantes (de cigarro ou maconha), homossexuais, chegando até àqueles que simplesmente resolvem se manifestar em defesa de transporte público, ou do ensino, das condições de trabalho em uma categoria qualquer.
Cada uma dessas causas pode ser longamente discutida aqui, mas o ponto em comum é: em todos os casos, e em níveis muito distintos entre si, essas manifestações se propõem a questionar o status quo, o modo como algumas coisas são pensadas e realizadas hoje e/ou aqui. E aí que uma reação muito comum é a da mera desqualificação: tratam-se de "vagabundos" e "desocupados", ou ainda "pervertidos", e por aí vai. É uma postura que recusa a quem quer que seja a possibilidade da diferença, da contradição. Como se os valores vigentes fossem naturais, a-históricos, imutáveis, e não como convenções sociais - por antigas e rígidas que sejam. Mas lembro que nos anos 1930, mulheres com pendores "feministas" (o termo ainda não era consagrado) ou lideranças sindicais eram presos em instituições psiquiáticas sob a alegação de serem portadores de "taras", distúrbios mentais perigosos para a sociedade. É a isso que querem nos levar de volta?
Outra reação, supostamente mais "moderada", é a que se declara tolerante "desde que respeitados os limites". Esses acham que a manifestação da diferença é uma tentativa de "imposição", e defendem que cada um faça ou seja o que quiser, desde que não obrigue os outros a vê-los ou conviver com eles. Ou seja: o contraditório deve ficar recluso ao espaço privado, porque a simples visibilidade do outro é uma imposição. Como pesquisador em História, sei bem aonde pode levar a primeira postura, e não fico nem um pouco confortável com ela. Mas é a segunda que, como urbanista, não posso deixar de combater. Porque o espaço da cidade é o espaço público por excelência, e ele permite - mais do que isso, requer - o convívio entre diferentes visões, posturas, práticas. Acusar de "autoritária" qualquer manifestação fora da "norma de conduta" atual é que é o verdadeiro autoritarismo, na sua expressão mais obscurantista, excludente. É como se a mera exposição ao contraditório fosse capaz de abalar certa convicção. E assim, qualquer reivindicação para que se permita a discussão de alternativas é tachada como "apologia" - ao crime, ao vício, etc.
Não é a supressão forçada da dissidência que vai produzir a harmonia na sociedade, mas a possibilidade aberta de que todas as expressões, por contraditórias que sejam, encontrem seu lugar e seu momento. A insistência em negar esse lugar e momento pode produzir apenas mais hostilidade, intolerância e tensão, e o resultado disso não tem como ser satisfatório.

Comentários... ecologia x economia?


Retomando os pontos sublinhados da notícia de um outro post:
1) os problemas e desafios da região [Amazônica] passem a ser tratados prioritariamente com enfoque ecológico, antes de o aspecto econômico vir à tona.
Isto é impossível.
Não se pode defender a biologização das questões sociais (econômicas apenas em parte) da Amazônia. Como resolver, por este enfoque, a disputa de terras: pela sucessão ecológica? O trabalho escravo é uma questão ecológica?
Tratando especificamente da questão do desmatamento: o que explica que a floresta esteja sendo derrubada, se não questões essencialmente econômicas - ou melhor, sociais - como: o avanço da pecuária e da agricultura de escala industrial, a grilagem, a exploração predatória da madeira... Não se pode incorrer no simplismo de culpar "o homem", genericamente, ou "o aspecto econômico" assim tão indefinido.
Nada disso significa menosprezar ou ignorar as questões ecológicas. A regulação climática, os ciclos bio/geo/hidrológicos, a biodiversidade e os "serviços de ecossistemas" (de acordo com o Millenium Ecosystem Assessment), para citar apenas algumas questões, devem ser consideradas juntamente (nem antes nem depois) com as questões ditas econômicas.
2) os conceitos de meio ambiente são anteriores à economia
Se a frase é tomada ao pé da letra, é um grande equívoco. O conceito de meio ambiente data, quando muito, do século XIX. Se pensarmos no conceito de ecossistema, ele não surge antes da década de 1930. Já a economia vem sendo desenvolvida em seus conceitos pelo menos desde meados do século XVIII (A. Smith, po exemplo). Mas uma disputa de primazia como esta não ajuda em nada a entender ou a intervir na realidade amazônica.
3) O sistema econômico mundial deve se submeter e ser subordinado ao ecossistema e às leis da natureza.
O problema é que a natureza não nos legou suas leis de forma expressa. Houve um tempo em que os alquimistas julgavam conhecer essas leis. Foram contestados depois pelos astrônomos. A Física clássica parecia ter descoberto as "leis da natureza", até ser posta em cheque pela Termodinâmica. Os darwinistas estavam crentes de compreender melhor as "leis da natureza" do que os lamarckistas. E foram convincentes: muitos no século XIX e XX acreditaram que a livre competição entre indivíduos obedece às leis da natureza. Alguns chegaram a acreditar que a purificação da humanidade pela exterminação das "raças impuras" era uma forma de respeito pelas leis da natureza.
O sistema econômico, enquanto isso, tirou bom proveito desses argumentos enquanto as "leis da natureza" lhe favoreceram (e há quem ainda acredite, por exemplo, que é "natural" as pessoas serem individualistas ou quererem o luxo...), e os desconsiderou solenemente quando não - este parece ser o caso da ecologia (apenas aparentemente). Afirmar que ele deve se "submeter e ser subordinado ao ecossistema e às leis da natureza" significa apenas se esconder atrás de uma convicção e não encarar o problema (o sistema econômico) de frente.
4) destruição dos valores ambientais e culturais cultivados ao longo de séculos de convivência
O velho romantismo ambientalista. O mito da Idade do Ouro: a época (nunca muito bem situada) em que "o homem e a natureza viviam em comunhão". Quantos séculos? O que havia antes? Mudou por quê? E, principalmente, por quem? Por que é tão difícil nomear o inimigo?
5) The limits of growth, produzido em 1972
O relatório que modelava matematicamente o consumo "humano" dos recursos "naturais" e dizia que o crescimento econômico tinha que ser interrompido. O velho legado malthusiano, e a esperta mistura de alhos com bugalhos, já que culpar a "humanidade" como um todo é uma boa forma de não atentar para o fato de que entre os humanos há uma desigualdade fundamental e esta não apenas diferencia a contribuição de cada parcela da humanidade no consumo como o agrava. Foi em reação a esse pensamento que se desenvolveu e consagrou a ideia de sustentabilidade (que também tem seus problemas).
6) Os avanços tecnológicos não estão sendo suficientes para resolver o problema dos limites físicos dos bens naturais.
Se a afirmação é correta, isto significa que não basta tornar a economia mais "eficiente", nem mesmo mais "sustentável" ou mais "ecologicamente correta", enquanto isto se limitar a regular o grau de exploração desses bens. A mudança de padrão necessária implica, portanto, ir além da forma como o sistema econômico funciona hoje. E dar nome ao sistema ajuda a começar a entender o que deve ser mudado de fato: capitalismo.
7) É bem melhor transformar algo que é sustentável em desenvolvimento do que tentar fazer com que uma forma de desenvolvimento não-sustentável se converta em sustentável
Fica então a questão crucial: a ecologia se propõe a superar o capitalismo?

As leis da natureza... ou dos cientistas?


Diz o informativo da FAPESP, intitulado "Economia ecológica", de 20/7/2009 (grifos meus. Os comentários virão numa próxima postagem):
"Segundo pesquisadores reunidos em mesa-redonda durante a 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na semana passada em Manaus, olhar a Amazônia sob o ponto de vista da perspectiva econômico-ecológica deve provocar uma mudança de paradigma à medida que os problemas e desafios da região passem a ser tratados prioritariamente com enfoque ecológico, antes de o aspecto econômico vir à tona.
Clóvis Cavalcanti, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, destacou que os conceitos de meio ambiente são anteriores à economia. “Mas o meio ambiente pode e precisa existir sem a sociedade. O sistema econômico mundial deve se submeter e ser subordinado ao ecossistema e às leis da natureza”, disse o também membro fundador da Sociedade Internacional para a Economia Ecológica (ISEE, na sigla em inglês) e da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco).
“Estamos acabando com o meio ambiente e com a vida social da Amazônia em troca de promessas muitas vezes vazias de aceleração do crescimento e do bem-estar humano, em que o aumento do PIB [Produto Interno Bruto] traz a destruição dos valores ambientais e culturais cultivados ao longo de séculos de convivência entre os habitantes da região”, disse.
Gonzalo Vasquez Enriquez, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), disse que “não é possível só crescer de forma exponencial, pois essa curva ascendente levaria o mundo a uma situação de colapso”, alertou ele, citando em seguida a importância do relatório The limits of growth, produzido em 1972 por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para a organização não governamental The Club of Rome.
O relatório trata de problemas cruciais para o desenvolvimento da humanidade, como energia, poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional. “A sociedade pode e está destruindo a Amazônia, mas de alguma forma a humanidade terá que pagar por isso”, disse Enriquez.
Os avanços tecnológicos não estão sendo suficientes para resolver o problema dos limites físicos dos bens naturais. O crescimento pelo crescimento está deixando cada vez mais evidente o limite dos recursos do meio ambiente, não trazendo soluções técnicas para a manutenção da biodiversidade e promovendo o aumento do poder e da necessidade de consumo pela sociedade moderna”, afirmou.
Para Philip Fearnside, pesquisador titular do Departamento de Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), um grande desafio para o futuro da Amazônia é a criação de meios de conversão dos serviços oferecidos pela floresta, como a manutenção da biodiversidade e dos estoques de carbono, em um fluxo de renda para as comunidades que garanta o desenvolvimento sustentável da região.
É bem melhor transformar algo que é sustentável em desenvolvimento do que tentar fazer com que uma forma de desenvolvimento não-sustentável se converta em sustentável”, disse o pesquisador que há mais de 30 anos tem se destacado no trabalho de apoio à valorização dos serviços ambientais da Amazônia.
“O desenvolvimento implica a criação de uma base econômica de suporte para a população e, a fim de ser sustentável, essa base de suporte deve manter-se por muito tempo”, apontou Fearnside que, antes do Protocolo de Kyoto (1997), já havia proposto a compensação dos serviços ambientais da floresta amazônica com base na manutenção de estoques de carbono, ou com pagamentos na forma de uma porcentagem anual do valor dos estoques.

Que a cidade não seja esquecida nesta eleição

Mais um post "migrado". Este, datado da época da última eleição em São Paulo. Evidentemente, defasado, e já podendo ser revisto: em grande parte, o desejo expresso no post não foi correspondido - as questões federais (muito por conta da mídia e do candidato tucano) ocuparam grande parte do debate, e em outra parte, questões absolutamente "paroquiais" (moralismo em política, sempre nefasto...). Mas houve sim um bom número de boas surpresas a respeito disso. E o resultado: bom, esperemos pelos próximos anos, mas estar livre por ora do kassabismo-serrismo já é motivo de muitas comemorações!


De passagem por aqui, quero deixar registrado um rápido comentário sobre o que desejo da eleição deste ano aqui para São Paulo: que o debate possa ser pautado pelos projetos de cada candidato para esta cidade. Todo mundo sabe o peso e a importância política da capital paulista no cenário nacional, mas sou terminantemente contra a ideia de que o que está em discussão aqui é o país. Não é: esta eleição não pode ser tomada como um simples “ensaio” para 2014.

Esta proposição só interessa a quem vem governando esta cidade há dez anos, e que é responsável por uma das administrações mais desastrosas que eu testemunhei na minha vida (comparável à de Pitta). Sim, estou falando do candidato Serra. A minha única certeza, neste momento, é que não quero a continuação da gestão neocon de Kassab-Serra para a minha cidade.

O que eu espero dos candidatos é que demonstrem entender o que é a vida urbana em seu sentido mais amplo, e provem ser capazes de assumir compromissos com uma urbanidade mais generosa, menos ranzinza, tacanha e repressora, como a que tem sido praticada nas últimas gestões. Chega de repressão a artista de rua, de cerceamento da vida noturna, de violência contra as manifestações coletivas no espaço público.

Quero que a cidade volte a ser vista como uma construção coletiva e como o lar da diversidade social, não da tentativa de normatizar o comportamento de seus cidadãos. Quero que os espaços de discussão pública sejam restaurados e ampliados. Quero que a sociedade civil ganhe espaço e voz. Quero que as subprefeituras deixem de ser uma extensão dos quarteis.

Habitação & direito à moradia, transporte & mobilidade urbana, uma revisão do Plano Diretor que não se limite a beneficiar a especulação imobiliária, uma política ambiental digna deste nome, uma efetiva melhoria do atendimento ao cidadão pelos serviços públicos, sobretudo os da municipalidade. A pauta de necessidades da nossa cidade é suficientemente ampla para que nossos candidatos se dediquem primordialmente a ela: não é Dilma que está em julgamento nesta eleição, e sim Kassab.

Manifestação política


O post original é de outro blog meu, e estou transferindo para cá, onde faz mais sentido. Foi escrito e publicado em 23/09/10 e, em muitos aspectos, está defasado. Mas em outros permanece integralmente atual e válido, por isso achei interessante postá-lo novamente.

Amigos, a briga de torcidas uniformizadas que está virando esta eleição está ultrapassando os limites do aceitável. Ainda assim, gosto de ver o quanto as pessoas se mobilizam nessas épocas, e discutem o assunto a todo tempo. Decidi escrever alguma coisa hoje só porque algumas bobagens que andam sendo veiculadas não podem ficar sem resposta.
O pior de tudo é ter que ver, diariamente, a disposição antidemocrática de quem vai perder a disputa eleitoral federal. Já inventaram de tudo: "mexicanização" do Brasil, "ausência de oposição"... chega a ser engraçado: será que todo mundo que passou oito anos batendo no PT que nem Judas em sábado de Aleluia, decidiu que vai se calar nos próximos quatro? É a minha única explicação para essa tal ausência de oposição. O PSDB continua firme e forte em São Paulo, Aécio em Minas... quem está perdendo é o Serra e sua gangue, e a mídia, que continua não entendendo o que está acontecendo no país.
A última cartada é um tal "manifesto" contra uma suposta "censura" à liberdade de imprensa e de opinião no país. Se quiser perder seu tempo ou se irritar à toa, aqui vai o link. Eu tenho minha própria opinião a respeito. Não concordo com os argumentos desse manifesto, e não aceito que se queira rotular de autoritário um governo em que a crítica nunca foi proibida. Se houvesse qualquer intenção de "tolher a liberdade de expressão ou de imprensa", não teríamos diariamente o denuncismo, a profusão de calúnias e a parcialidade que têm marcado a atuação de veículos de imprensa como o Estadão, a Folha, o(a) Globo, a Veja principalmente.

Que esses veículos tenham sido criticados por integrantes do governo e do PT é nada menos do que natural diante do tom com que tem sido acusados. Isso está muito longe de isso significar que querem "calar a crítica". Pelo contrário, quem critica tem que estar disposto a ser também criticado. Ou, como já dizia minha avó: quem fala o que quer ouve o que não quer. Não vejo, nas atitudes tomadas pelo governo, uma tentativa de censurar a imprensa, mas para mim está claro que numa sociedade dita "da informação", os veículos de comunicação devem assumir responsabilidades (e ser responsabilizados) na mesma medida em que tem o suposto "direito" de dizer o que bem entendem.

Assim como repudio o autoritarismo, repudio também o elitismo. E é isso que vejo em muito da crítica à aprovação que o governo tem recebido: termos como "populismo", "assistencialismo" (vide abaixo) e tantos outros são usados a torto e a direito sem nenhum objetivo que não o de desqualificar um "oponente" - e não aquilo que se espera em uma democracia, que é a tolerância e o respeito a que você se refere. Fora minha opinião de que isso mostra o quanto uma parcela da população ainda não aceita que as pessoas menos articuladas, menos instruídas e menos favorecidas também participem do jogo político legitimamente, também não vejo nenhum - repito, nenhum - crítico do governo petista que se dê ao trabalho de discutir em termos minimamente respeitosos. Isso é democrático?
Não tem nada mais longe de "assistencialismo" do que a política de proteção social deste governo, e quem me diz isso é um conjunto de assistentes sociais que trabalham comigo - muitas deles nem petistas são. Fora isso eu também tenho oportunidade de testemunhar pessoalmente o quanto a circulação inédita de dinheiro em certas localidades pelo Brasil afora está mudando relações há muito estabelecidas de dependência, subserviência e submissão da população pobre. Não vê quem não quer, ou quem não quer se dar ao trabalho de olhar para a sociedade de uma posição que não seja do alto.
Outra coisa: não há nada mais longe do "independentemente das preferências políticas" do que este manifesto. Ele é claramente um manifesto pró-Serra, e pró-mídia, por extensão. Ou por pleonasmo.
Não há um "projeto" de eliminar partidos políticos, não dá para levar isto a sério. A declaração do Lula sobre o DEM é exatamente a mesma e no mesmo tom com que Jorge Bornhausen se referiu, há poucos anos, ao PT. Na época, não me lembro de ninguém que hoje se mostra tão preocupado com os rumos da democracia ter publicado manifesto nenhum a respeito. Vou além: não sei de nenhuma tentativa do PT de cassar registro de partido ou impugnar candidatura de adversário. E se queremos falar de coisas concretas, e não de hipóteses mirabolantes, temos que lembrar que quem apoiou uma ditadura de fato foi o que hoje se autointitula "Democratas" (nunca um nome foi tão inapropriado...).
A liberdade é mesmo um valor muito caro a todas as pessoas. Liberdade de votar em quem quiser é também uma delas. Então você está no seu direito de manifestar sua opinião, e eu não vou me opor a isso, embora discorde quase completamente. Só devo lembrar que "liberdade" é um conceito bastante polissêmico, e que se presta a muitas interpretações. Uma liberdade inédita a muitas pessoas é a de ter seu próprio dinheiro e administrá-lo como achar melhor, sem precisar ser tutelado. E aí está a diferença fundamental entre o Bolsa Família e os programas que, segundo alguns, o originaram, como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, etc.
As urnas não vão afastar esse governo do poder, sinto muito. E não se trata de "política assistencialista" ou de "desempenho econômico", mas de toda uma parcela da população que se reconhece nestas políticas, se sente representada por elas. Pessoas que sentem que não estão apenas, como dizia Plínio Marcos, assistindo da arquibancada sem influir no resultado. Goste você e os signatários desse manifesto, essas pessoas é que estão influindo no resultado. Livremente, no voto. Democraticamente.