18 de fevereiro de 2013

A cidade para todos. TODOS.


Precisamos retomar Bertolt Brecht. O poeta e dramaturgo alemão que foi um dos mais ácidos críticos do nazismo antes da Guerra (destaque importante, porque criticar depois é muito fácil, fácil até demais) tem me parecido cada vez mais atual e necessário. Uma bruma de intolerância, hostilidade e isolacionismo paira sobre nossa sociedade, alimentada por um moralismo arcaico, uma religiosidade burocrática (porque voltada ao comportamento e não ao autoconhecimento), um individualismo extremado e uma preguiça mental atroz. Idéias preconcebidas e que mal resistem a um mínimo de exame são mantidas e ganham força pelo simples fato de que não são desdobradas em suas consequências menos imediatas.
Sinal desse clima sombrio é o tratamento que recebem, nos dias de hoje, pessoas e grupos sociais que ousam assumir e declarar um tipo de comportamento qualquer que fuja de certo padrão do que é considerado correto, saudável ou "normal", "natural". Fumantes (de cigarro ou maconha), homossexuais, chegando até àqueles que simplesmente resolvem se manifestar em defesa de transporte público, ou do ensino, das condições de trabalho em uma categoria qualquer.
Cada uma dessas causas pode ser longamente discutida aqui, mas o ponto em comum é: em todos os casos, e em níveis muito distintos entre si, essas manifestações se propõem a questionar o status quo, o modo como algumas coisas são pensadas e realizadas hoje e/ou aqui. E aí que uma reação muito comum é a da mera desqualificação: tratam-se de "vagabundos" e "desocupados", ou ainda "pervertidos", e por aí vai. É uma postura que recusa a quem quer que seja a possibilidade da diferença, da contradição. Como se os valores vigentes fossem naturais, a-históricos, imutáveis, e não como convenções sociais - por antigas e rígidas que sejam. Mas lembro que nos anos 1930, mulheres com pendores "feministas" (o termo ainda não era consagrado) ou lideranças sindicais eram presos em instituições psiquiáticas sob a alegação de serem portadores de "taras", distúrbios mentais perigosos para a sociedade. É a isso que querem nos levar de volta?
Outra reação, supostamente mais "moderada", é a que se declara tolerante "desde que respeitados os limites". Esses acham que a manifestação da diferença é uma tentativa de "imposição", e defendem que cada um faça ou seja o que quiser, desde que não obrigue os outros a vê-los ou conviver com eles. Ou seja: o contraditório deve ficar recluso ao espaço privado, porque a simples visibilidade do outro é uma imposição. Como pesquisador em História, sei bem aonde pode levar a primeira postura, e não fico nem um pouco confortável com ela. Mas é a segunda que, como urbanista, não posso deixar de combater. Porque o espaço da cidade é o espaço público por excelência, e ele permite - mais do que isso, requer - o convívio entre diferentes visões, posturas, práticas. Acusar de "autoritária" qualquer manifestação fora da "norma de conduta" atual é que é o verdadeiro autoritarismo, na sua expressão mais obscurantista, excludente. É como se a mera exposição ao contraditório fosse capaz de abalar certa convicção. E assim, qualquer reivindicação para que se permita a discussão de alternativas é tachada como "apologia" - ao crime, ao vício, etc.
Não é a supressão forçada da dissidência que vai produzir a harmonia na sociedade, mas a possibilidade aberta de que todas as expressões, por contraditórias que sejam, encontrem seu lugar e seu momento. A insistência em negar esse lugar e momento pode produzir apenas mais hostilidade, intolerância e tensão, e o resultado disso não tem como ser satisfatório.

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