11 de dezembro de 2006

Obituario con Hurras

Vamos a festejarlo, vengan todos
los inocentes
los damnificados
los que gritan de nochelos que sueñan de día
los que sufen el cuerpolos que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan
vamos a festejarlo, vengan todos
el crápula se ha muerto
se acabo el alma negra
el ladrón
el cochino
se acabo para siempre
hurra
que vengan todos, vamos a festejarlo
a no decir
la muerte
siempre lo borra todo
todo lo purifica
cualquier día
la muerte no borra nada
quedan
siempre las cicatrices
hurra
murió el cretino, vamos a festejarlo
a no llorar de vicio
que lloren sus iguales
y se traguen sus lágrimas
se acabo el monstruo prócer
se acabo para siempre
vamos a festejarlo
a no ponernos tibios
a no creer que este
es un muerto cualquiera
vamos a festejarlo, a no volvernos flojos
a no olvidar que este
es un muerto de mierda.

Mario Benedetti
em memória do infame Augusto Pinochet

28 de novembro de 2006

Música popular, que bicho é esse?

Todo mundo tem alguma idéia do que seja música popular. Mas na hora de dar uma definição, percebemos o tamanho da dificuldade: o termo é tão vago, aberto, ambíguo, que as coisas mais díspares podem ser incluídas nessa categoria. E, pior, uma mesma coisa pode ser considerada popular ou não.

A proposta deste projeto é, em vez de tentar definir a priori o que entendemos por música popular, explorar as várias ambigüidades e contradições do termo (e dos termos associados: “cultura popular”, “povo”, etc.), cada um podendo formar sua opinião e tirar suas próprias conclusões a respeito. Trata-se de um repertório de amplas possibilidades, muitas oportunidades de descoberta e “provocações”, desde que não se pretenda enfatizar um dos aspectos, mas realmente explorar todos os interstícios da questão e todas as contradições do termo. Algumas delas são apresentadas a seguir:

“Popular” e “folclórico”

A pesquisa e a valorização das manifestações culturais “populares” começaram a ser tema de interesse de estudiosos na Europa por volta da virada do século XVIII para o XIX, e se relacionava com o resgate dos registros da cultura “plebéia” (ou não aristocrática) e foram enquadradas na categoria do “folclore” (folk-lore). Estudos desse tipo tendiam a ver essas manifestações como “resquícios” de uma cultura passada, ultrapassada, ou “primitiva” (no caso das culturas nas colônias européias na África, Ásia e América).
A visão correspondente é de uma música popular “pura” ou “genuína”, imobilizada num passado e numa “tradição”. Mesmo formas musicais desenvolvidas no bojo de uma grande mudança social – urbanização, por exemplo – acabaram sendo consideradas formas “degradadas” da música “verdadeiramente” popular.

“Popular” x “Erudito”

A música popular pode também ser entendida como aquela que não detém o domínio técnico e sistemático de uma linguagem “erudita” – especializada – da música: normas de notação musical, regras de composição e harmonização, etc. Nessa perspectiva, manifestações “informais” da música já foram julgadas como “pobres”, “simplórias” ou “pouco desenvolvidas”, num julgamento de valor que adota como parâmetro, obviamente, a música desenvolvida na Europa.

A música popular, tomada como contraponto da erudita, levanta o problema de “quanta erudição” é permitida: compositores como Tom Jobim ou Edu Lobo, que detém absoluto domínio das técnicas e rigores eruditos, podem ser considerados populares, nesse sentido?

“Popular” x “de elite”

Outra dicotomia comum é a que coloca o “popular” num esquema de divisão de classes sociais, associado às camadas menos favorecidas. Aqui se mesclam posturas paternalistas (e autoritárias) com a perspectiva dos movimentos sociais e da esquerda: a valorização do “popular” contra os “opressores” – como nas obras de compositores como Geraldo Vandré, por exemplo.

Levanta-se um novo problema: só pode ser considerada “popular” a música produzida pelos pobres? Mas o jazz e o blues, por exemplo, assumem diferentes conteúdos (e absolutamente contraditórios) a depender da perspectiva adotada: originalmente produzidos pelos negros pobres norte-americanos, acaba sendo apropriada por parcelas das elites intelectuais, primeiro nos próprios EUA, depois na Europa e no resto do mundo (inclusive no Brasil). Podem ser considerados, o jazz e o blues feitos no Brasil, e suas formas derivadas (a própria Bossa Nova) serem considerados populares?

“Popular” e “de massa”

Sinônimos ou antônimos? Música popular é aquela consumida pelo “povo” ou isto é uma degradação interesseira produzida por uma “indústria musical”, descartável e sem valor? Existe uma música “genuinamente” popular, em contraposição aos produtos “descartáveis” da indústria musical? Como encarar brega, o sertanejo, o funk carioca, e mesmo o rock brasileiro? Afinal, cantava Adoniran Barbosa: “eu gosto dos meninos desse tal de ie-ie-iê, porque com eles canta a voz do povo”...

Popular: do ou para o “povo”?

Além da questão do consumo popular (fato relativamente novo, ligado à chamada “Segunda Revolução Industrial”, ou seja: a virada do século XIX para o XX), outra questão é a produção musical que se apropria de formas “populares” ou até “folclóricas” para a composição de peças bastante eruditas (Villa Lobos e uma série de compositores nacionalistas da mesma época do brasileiro), ou ainda uma produção que pretende instruir e educar o povo, absorvendo uma linguagem ou formas reconhecíveis pelo público “popular” para, desta forma, “elevar” seu nível ou repertório cultural – aí entra também uma função ideológica ou doutrinária qualquer (à direita ou à esquerda do espectro político-ideológico), incluindo-se desde as peças jesuíticas até os hinos revolucionários e de resistência.

15 de setembro de 2006

Questões de um debate acadêmico

  • A Modernidade é associada a noções de transitório, contingente, de fragmentário, de ambíguo e contraditório. Mas cada uma dessas noções tem seus sentidos diversos, e representam facetas bastante diferenciadas do que se entende por “modernidade” ou “moderno”
  • A idéia de “permanente mudança” é característica, mas não privilégio da modernidade – vide I Ching ou alguns dos pré-socráticos. Merece discussão a experiência histórica específica em ela se funda (mesmo o resgate contemporâneo desses outros sistemas filosóficos é revelador dessa concepção de mundo, mas ainda assim ela é específica).
  • Modernização, tomada como categoria abstrata, tende a ocultar ou escamotear seu conteúdo social e histórico. Pode-se acrescentar que, neste caso, se trata de construção idealista (e ideológica) que embute julgamentos de valor que deveriam ser objeto de investigação e não premissas adotadas.
  • A separação do social em três econômico, político, cultural não é uma questão desprezível! Há profundas implicações nessa divisão, e envolvem ênfases e primazias. Seleciona-se o interlocutor de antemão...
  • A parte e o todo: visão “global” não deverá nunca se furtar ao “laboratório de testes” que o específico/particular oferece.
  • A noção de progresso é fundamental ao projeto da modernidade (modernidade = progresso => tradição = atraso). Daí a relevância de uma representação sarcástica como a de Adoniran (‘pogréssio’).
  • Projeto (desígnio): processo intelectual (racional). Devemos apenas ser cuidadosos em não associar racionalidade a racionalismo (razão como uma modalidade “superior” de cognição). Historicamente, esse julgamento teve conseqüências muito sérias, sobretudo no contato do europeu com outros povos, levando o colonizador a menosprezar ou infantilizar outras formas de conhecimento.
  • O projeto é desejo, não necessidade. E o projeto urbano é um desejo coletivo. Mas de que coletividade?
  • O lugar da história: os usos da história (legitimação, construção de identidades...). Qual a história que estamos fazendo?
  • A Revolução tecnológica - "tecnologias mudam radicalmente o sentido do viver": em que medida muda mesmo? Determinismo tecnológico? Muda para quem?)
  • Transformação do mercado de bens de consumo: democratização ou apenas “doutrinação pelo conforto”?

Moralismo e política

Os adversários do PT teriam muitos argumentos possíveis se quisessem me convencer a não reeleger o presidente Lula. A insistência em levar o debate para o campo da moralidade, no entanto, me leva cada vez mais na direção oposta - a de querer essa oposição o mais longe possível do governo, de preferência sem o "prêmio" de ser derrotada apenas num segundo turno.
O primeiro mandato de Lula à presidência foi frustrante a todos aqueles que esperavam um governo inovador e transformador. Ao contrário, alguns dos maiores beneficiados foram justamente os que não se queria que fossem: o sistema financeiro, o agronegócio dos latifundiários, etc.
Se alguém conseguisse me convencer que qualquer outro candidato dispõe de propostas mais sólidas para a área ambiental (por exemplo, planejar e fazer aplicar o planejamento da ordenação territorial do cerrado e da Amazônia), que trouxesse propostas de fortalecimento e universalização da escola pública em todos os níveis, que tenha propostas claras e realistas de universalização do saneamento básico e de redução do déficit habitacional. Mas tudo parece, aos olhos da oposição tucana-pefelista, uma mera questão de "gestão" - leia-se: redução de gastos, com privatizações generalizadas, demissões, "flexibilização" das leis trabalhistas (melhor seria dar o nome correto: precarização das condições de trabalho). Pior ainda: basta garantir a "moralidade" da administração. Um discurso com cheiro, cor e gosto de TFP que eu me recuso a engolir.
Dizer que esse governo foi "o pior de todos", ou "o mais corrupto de todos os tempos" é, no mínimo, dar crédito excessivo a declarações de políticos tão "nobres" quanto Antônio Carlos Magalhães, ou de veículos da imprensa tão "isentos" quanto a Veja. É impossível julgar um governo com base apenas em afirmações bombásticas de raposas velhas da política ou de uma imprensa inteiramente comprometida. Aliás, não consigo deixar de achar ridículo ouvir ACM & cia. dizerem coisas desse tipo; no mínimo, a declaração requer um complemento: deve ser o mais corrupto que já viram do lado de fora. Basta lembrar a gestão escandalosa que foi a do Malvadeza à frente do Ministério das Comunicações com o Sarney...
Por exemplo, se os noticiosos quisessem prestar serviço à boa informação, no mínimo tratariam de investigar as credenciais de quem afirma ser guardião da moralidade. Sem contar com o auxílio da imprensa, a população em geral parece ter seguido a constatação, muito mais pragmática do que se costuma admitir, de que "se gritar 'pega ladrão' não fica um, meu irmão". Ou seja: pela "moralidade" não se distingue alhos de bugalhos, escarlate de azul, estrela de pássaro. Qual outro critério? Talvez um outro, bastante objetivo: "minha vida melhorou nos últimos quatro anos?". Aí cabe o julgamento de cada um, e não o preconceito de que quem ainda vota no PT está "mal informado", ou "alienado". É a resposta comodista de quem, em momento algum, se deu ao trabalho de verificar na prática, concretamente, o que está acontecendo com a vida das pessoas mais pobres pelo país afora. Goste-se ou não, a população pensa, e não apenas os "formadores de opinião". Cada um reflete à sua maneira sobre o que acontece em sua própria vida, e tira conclusões a partir de seu repertório de conhecimentos e experiências. Não nos cabe desqualificar essas conclusões, ainda que discordemos dos critérios que cada um adota.
De resto, quem lembra de Nelson Rodrigues já fica desconfiado: discurso moralista é estridência para desviar a atenção. Acusa-se a sujeira de fora para não chamar a atenção para a imundície de dentro...

23 de julho de 2006

In Memoriam

"A questão da transformação, eu acho que continua. Não escrevo nada que não vá transformar. Agora, ao mesmo tempo, não posso me esquecer daquela tendência à ingenuidade na nossa juventude. De achar que vai dar tudo certo, é assim mesmo, ah, não tem galho, porque a gente sempre termina ganhando. Depois, percebemos que não era nada disso. O que realmente não admito é deixar a bola cair. Há momentos em que cai; puxa, tudo é uma bosta. Mas isso é um momento e, depois, deixa de frescura, bicho, vai em frente."
Gianfrancesco Guarnieri (6/8/1934 - 22/7/2006)

3 de maio de 2006

Si, podemos

Dois eventos recentes me fizeram lembrar muito da viagem à Bolívia que fiz no ano passado. O primeiro diz respeito de fato à Bolívia, e se trata da nacionalização do gás anunciada pelo governo de Evo Morales. O segundo é a greve de fome do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Os dois eventos, juntos, compõem um quadro interessantíssimo que permitem o contraste entre Brasil e Bolívia, numa comparação em que o nosso país, sou obrigado a admitir, está em grande desvantagem em relação aos nossos vizinhos. Vejamos.
No caso da nacionalização do gás, devo dizer que o anúncio só pegou de surpresa quem não conhece a Bolívia. Se isso incluiu a Petrobras, a estatal agiu com absoluta inocência ou arrogância, ao achar que na Bolívia tudo se conduz como no Brasil. Pagarão pelo erro, em português simples e direto. Para mim, foi uma surpresa apenas em certa medida – fiquei muito mais surpreso quando eu soube que Evo Morales venceu a eleição, contrariando até expectativas na Bolívia. A nacionalização fazia parte do programa defendido pelo MAS (Movimento Ao Socialismo, partido de Morales) há muito tempo. Talvez a elite brasileira (e a Petrobras, o governo, a imprensa) acreditasse que tudo não passava de discurso para conquistar as “massas”. Na arrogante e ignorante interpretação da nossa inteligentsia, Evo seria dobrado pelas “circunstâncias” e pela “realidade”. Agora ela terá que rever suas premissas e se dobrar, ela sim, à realidade: Evo não é Lula, Bolívia não é o Brasil.
Estamos acostumados demais, a ponto de achar que isso é a regra geral, com o hábito das promessas irresponsáveis e inconseqüentes de campanha eleitoral. Promete-se o que se sabe que não vai cumprir, na certeza de que nunca ninguém será cobrado por isso. De fato, é até atípico (embora não exatamente estranho) que Lula seja tão cobrado em sua promessa de gerar 10 milhões de empregos. Assim, o que parece ter causado espanto é o fato de Evo Morales ter cumprido o que prometeu. Mas não é pouca coisa: é como se Lula tivesse encampado e promovido de fato a reforma agrária no Brasil.
A ideologia neoliberal sofreu efetivamente um duro golpe com essa nacionalização. As leis do mercado, esse fantasma, não foram suficientes para conter o impulso nacionalista (sem julgamento de valor no uso desta expressão) boliviano. É compreensível o espanto da elite brasileira: ela não é capaz, nos dias de hoje, de sequer imaginar uma postura tão autônoma, tão insubmissa. E talvez sirva para redimensionarmos nossa idéia da importância da tão propalada “vontade política” – o que pode ser extremamente salutar, para tirar-nos do fatalismo acomodado de acreditar que as “determinações estruturais” são inescapáveis...
Do segundo episódio, a comparação é direta: enquanto estive na Bolívia, vimos também políticos de alto escalão (governantes, inclusive) iniciando greve de fome para pressionar o governo federal a repensar a distribuição dos impostos sobre o gás natural. O que se viu foi um recuo quase imediato do governo e a reabertura de negociações. A greve de fome foi levada a sério, e teve resultados políticos importantes. No Brasil, além das motivações absolutamente diversas (trata-se evidentemente de mera bravata demagógica de Garotinho), ninguém parece acreditar que a greve de fome irá muito adiante. Ao que parece, a diferença é que na Bolívia o prometido se cumpre...

1 de maio de 2006

Perguntas De Um Operário Que Lê.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilònia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

(B. Brecht)

29 de março de 2006

Mais aforismos

  • São os alunos a razão de ser de uma escola - esteja onde estiver o problema, não é neles.
  • Pós-produtivismo: incorporar o "meio ambiente" não como "externalidade", mas como aspecto intrínseco da atividade humana. Para os capitalistas, significa "responsabilidade"; para alguns marxistas, "eco-socialismo". Para a maioria das pessoas, é só um palavrório complicado demais.
  • E como o capitalismo pode incorporar as "externalidades" ambientais e sociais e continuar sendo capitalismo?
  • João Rubinato, vulgo Adoniran Barbosa. Esse sim era urbanista.

Creative commons

Site amplia discussão sobre liberação de direito autoral

[Aqui está uma das iniciativas mais fascinantes de que tive notícia ultimamente. Merece ser acompanhada com toda atenção, pois é uma completa inovação no que se trata de democratização do acesso à cultura. Ou, em outros termos, uma alternativa promissora de reverter a fetichização da produção artística]

LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo, no Rio

06/03/2006 - 09h39


Com a entrada hoje no ar do site Overmundo (www.overmundo.com.br), projeto encabeçado pelo antropólogo Hermano Vianna, o advogado Ronaldo Lemos dará mais um passo na sua batalha para mudar a economia da cultura no Brasil e no mundo.

Parece uma tarefa pesada demais para um mineiro de Araguari de 28 anos, mas ele já está na luta há algum tempo. Fez mestrado em Harvard (EUA) sobre o tema, doutorado na USP, é o único latino-americano entre os nove integrantes da cúpula do Creative Commons --o conjunto de licenças que permite a um artista liberar parte de seus direitos autorais--, está iniciando uma pesquisa internacional chamada Open Business e é um dos responsáveis pelo Overmundo, que professa os ideais de mudança.

"Estamos à beira de uma grande transformação, uma explosão. E a hora é a agora. Há uma janela de oportunidade que vai ser fechada a qualquer momento", empolga-se e angustia-se Lemos.

Segundo ele, o fechamento será feito pelos grandes conglomerados de entretenimento, que têm pesquisado formas de bloquear os códigos de produtos (CDs, DVDs) para impedir o repasse de músicas, filmes etc. É o que as empresas chamam de combate à pirataria, e Lemos contesta.

"Esse discurso da pirataria precisa ser combatido, porque tem uma carga emocional forte, mas obscurece o debate. Um moleque baixando música em casa, uma pessoa vendendo CD na esquina... Existem diversas razões sociais. Esse discurso é produzido pelo departamento de comércio norte-americano e não tem números confiáveis", diz Lemos.

É em busca de números que ele está partindo com a Open Business, pesquisa que será feita em vários países durante um ano. No Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, Lemos coordenará o levantamento no Brasil, em dois países latino-americanos (Chile e México, provavelmente) e no país para onde embarca no dia 12 cheio de curiosidade: a Nigéria.

"Os EUA produzem 600 filmes por ano. A Índia, 800. A Nigéria, 1.200. Quantas salas de cinema há no país? Nenhuma. É direto para o mercado doméstico. Os filmes são vendidos em VCD, por camelôs, a US$ 3 cada um. É uma economia que emprega mais de 8.000 pessoas e, segundo eles, já movimenta US$ 3 bilhões por ano. Dos modelos alternativos e bem-sucedidos a Hollywood, o nigeriano é o único exportável", acredita Lemos, que fará no Brasil um seminário sobre o "cinema-povo" (expressão sua) nigeriano em maio.

No Brasil, o foco será o tecnobrega. É um fenômeno que movimenta milhões de reais, sem que os CDs cheguem às lojas.

"Nas festas de Belém do Pará, os CDs são gravados em tempo real e vendidos na saída. O cara topa pagar R$ 5 porque se sente parte do evento. O Pixies [banda americana] fez isso, e foi um alarde. Mal sabiam que o tecnobrega já fazia isso há anos", diz Lemos.

Ele acredita que a pesquisa provará como é possível ganhar dinheiro através de um "modelo aberto". O reggae no Maranhão, o funk no Rio e o forró em todo o país também estão criando, segundo Lemos, indústrias e mercados alternativos, com CDs e DVDs de boa qualidade.

"As periferias estão se apropriando da tecnologia para criar modelos próprios de negócio. E isso está se tornando gigante. Para os países em desenvolvimento, o modelo "open business" é o único viável", acredita ele, ressaltando que os países ricos têm combatido fortemente essas experiências para não perder sua hegemonia.

Já existem 53 milhões de licenças Creative Commons em 50 países. Ainda não há um ranking, mas o Brasil estaria em terceiro ou quarto lugar. Gil e novos artistas como Mombojó e BNegão são alguns exemplos dos que aderiram. É possível escolher se o artista libera o uso da obra para fins comerciais e se ela pode ser alterada.

"O Creative Commons diz para o artista: assim como você tem direito a dizer não a todos os usos de sua obra, você tem direito de dizer sim para alguns. Quem usa já percebeu que não se perde dinheiro. Ao contrário", afirma Lemos, que será o anfitrião do encontro da cúpula do Creative Commons no Brasil, em junho.

28 de março de 2006

Indignações circunstanciais

[Andei sumido por algumas semanas, e aproveito a volta para, em vez de só postar textos e notícias interessantes, dar algumas opiniões sobre coisas que estão acontecendo por aí. O primeiro texto é sobre os recentes "escândalos políticos"... Sem a pretensão de ser um ensaio de ciência política, apenas uma provocação sobre em que a nossa gritaria pode atrapalhar mais do que ajudar.]

"O maior esquema de corrupção da história", dizem os jornais, revistas pouco confiáveis - daquelas que trazem no nome um chamamento à observação - e congressistas mal capazes de conter o riso diante da calamidade em que o PT parece ter-se afundado de pouco mais de um ano pra cá.
É preciso ler esse tipo de manifestação com o maior cuidado e uma série de restrições. Primeiro, porque não há de fato nada de novo, a não ser que do partido que se trata se esperasse algo muito distinto. Mas é evidente que a rapidez com que políticos de partidos adversários se apressam em desqualificar o PT tem muito mais a ver com o interesse em tirar a esquerda de cena do que qualquer compromisso sério com a "honestidade" e a "probidade" no trato com a "coisa pública".
Puxar um pouco pela memória não faz mal a ninguém: os partidos que mais comemoram a derrocada deste governo são os mesmos que estiveram, quando governo, envolvidos em escândalos tão ou mais graves do que todos os que vêm sendo noticiados. Com a diferença de que, em certos casos, a opinião pública certamente não contou com uma imprensa tão "combativa" quanto agora.
Ou seja: neste jogo, não há inocentes, não há isentos. Mas se está constatdo que também o PT se deixou "contaminar" pelas práticas corruptas tão brasilianas, ainda assim é extremamente prejudicial se ater a constatações que enfatizem apenas o momento atual, sem problematizá-lo historicamente. A corrupção grassa, mas esta talvez seja a marca distintiva de todo o período da "Nova República" (1985 até hoje) - ou talvez de todo o período republicano (há muitos textos do início do século XX denunciando a "podridão" da política brasileira...), ou quem sabe ainda de antes...
A cada novo episódio, como a dança da deputada, o caseiro, ou o que seja, pipocam manifestações de indignação com a classe política, e sempre se faz crer que chegamos ao fundo do poço. Sai governo, entra governo, e o poço parece inesgotável. Então, a ênfase no imediato, no circunstancial, parece ter como único objetivo desviar a atenção do que deveria ser a questão principal: não a corrupção deste ou daquele governo, mas o sistema político brasileiro, ou a relação Estado-sociedade.
Charges, piadas, programas de televisão, declarações de artistas indignados, depoimentos da população, tudo é aproveitado para se criar uma indignação moderada, mediada, inconseqüente. Que, em lugar de criar revolta e mobilizar a tentativa de mudanças, apenas provoca uma apatia niilista e conformada - "é tudo igual mesmo"...
Assim, todo mundo pode se sentir confortável em xingar o governo, como já xingou todos os anteriores, votar em um candidato que se oponha a "tudo o que aí está" (nunca é demais lembrar, Collor foi eleito como antítese do governo Sarney, tido na época como afundado em um "mar de lama" comparável a tudo o que se vê hoje) e se decepcionar novamente. Aí começa o novo ciclo, passando de uma indignação circunstancial para outra, e continua a situação sem que nada altere a disposição das pessoas para uma ação efetiva de transformação dessa realidade.

3 de março de 2006

Mas e essa gente a�, hein?: As Escalas do Despotismo

http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/151.php

As Escalas do Despotismo

Peço toda atenção a este texto. Diz muito do momento que atravessamos, da realidade que estamos vivendo. E nos chama a pensar na responsabilidade de cada um de nós em relação a tudo isso. Podemos escolher fingir que não é conosco, deixando a coisa correr solta, ou alimentar mais ainda o "sistema", aceitando seus valores, ou a opção, que declaro a minha e espero ser a de todos nós: resistir, recusar, enfrentar.

Boa leitura!

Um grupo de jovens menores maltratou sadicamente, apedrejou e espancou até à morte o transexual brasileiro Gisberto, um sem abrigo de 45 anos. Aconteceu no Porto. Há poucos anos, o líder indígena Guadino Pataxó tinha ido a Brasília participar numa marcha a favor da reforma agrária. A noite estava amena e decidiu dormir no banco da paragem de autocarro. De madrugada, um grupo de jovens acercou-se dele enquanto dormia, regou-o com gasolina e queimou-o vivo. Na polícia, confessaram que o fizeram para se divertirem e pediram desculpas por não saber que ele era um líder indígena; pensavam que ele era "um qualquer sem abrigo". Que há de comum entre estes dois casos de violência gratuita e as caricaturas dinamarquesas? A mesma incapacidade de reconhecer o outro como igual, a mesma degradação do outro ao ponto de o transformar num objecto sobre o qual se pode exercer a liberdade e o gozo sem limites, a mesma conversão do outro num inimigo perturbador mas frágil que se pode abater com economia das regras da civilidade, sejam elas as que governam a paz ou as que governam a guerra.

As sociedades modernas assentam no contraste social, a idéia de uma ordem social assente na limitação voluntária da liberdade para tornar possível a vida em paz entre iguais. As idéias de cidadania e de direitos humanos são a expressão deste compromisso. As tensões entre o princípio da liberdade e o princípio da igualdade e as contradições entre eles e as práticas sociais que os desmentem constituem o cerne da política moderna. Como o grupo social dos reconhecidos como iguais era inicialmente muito restrito (os burgueses
do sexo masculino), a grande maioria da população (mulheres, trabalhadores, escravos, povos colonizados) estava fora do contrato social e, portanto, sujeita ao despotismo dos que tinham poder sobre ela. As lutas sociais dos últimos duzentos anos têm sido lutas por inclusão no contrato social. Com o tempo, as lutas pela igualdade socio-económica, protagonizadas pelos trabalhadores, foram complementadas pelas lutas pelo reconhecimento das diferenças, por parte das mulheres, das minorias étnicas e religiosas, dos homossexuais, etc.
Este movimento ascendente de inclusão e de civilidade está hoje bloqueado por via de uma combinação perversa entre capitalismo neoliberal e suas conseqüências (exclusão social, migrações) e a teologia política conservadora hoje dominante nas três religiões abraâmicas (cristianismo, judaísmo e islamismo). Paulatinamente, a solidariedade politicamente organizada é substituída pelo individualismo, e a filantropia e a celebração da diversidade, pela intolerância: em vez de cidadãos, consumidores e pobres; em vez de justiça social, a salvação; em vez do ecumenismo, o dogmatismo; em vez da hospitalidade, a xenofobia; em vez de conflitos institucionalizados, a violência do crime e da guerra.

O despotismo pré-moderno está, assim, a ser reinventado na sociedade e nos indivíduos, tanto nas macro-relações entre países ou religiões, como nas micro-relações na família, na empresa ou na rua. Os poderosos e os despossuídos são degradados por igual, ainda que com conseqüências muito diferentes. Os despossuídos recorrem à violência ilegal, tanto contra os poderosos como contra os ainda mais despossuídos. Os poderosos recorrem à violência que legalizam pela invocação de princípios que, sem surpresa, estão sempre do seu lado. São Tomás de Aquino diria deles o que disse dos cristãos do seu tempo. Que padecem do habitus principiorum:o hábito de invocarem obsessivamente os princípios para se poderem dispensar da sua observância na prática.

Boaventura de Sousa Santos
Publicado na Visão em 2 de Março de 2006
http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/151.php

25 de fevereiro de 2006

Economia solidária

Brasil já tem 15 mil Empreendimentos Econômicos Solidários, mostra levantamento
13 de fevereiro de 2006
Fonte: Agência Brasil / Fórum Brasileiro de Economia Solidária (http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=721&Itemid=1)

Levantamento feito pelo Ministério do Trabalho indica a existência de 15 mil empreendimentos que se enquadram num ramo relativamente novo no Brasil: a economia solidária. O número é resultado do mapeamento feito pela Secretaria de Economia Solidária do ministério, juntamente com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, realizado em todo o país.

A pesquisa teve início em 2004 e envolveu mais de 230 entidades governamentais e não-governamentais que atuam com economia solidária. Segundo as informações coletadas, a economia solidária se consolidou no Brasil a partir de 1990, com 85% dos empreendimentos criados entre aquele ano e 2005. São cerca de 1,25 milhão de trabalhadores reunidos em cooperativas, associações e organizações não-governamentais, chamados Empreendimentos Econômicos Solidários (EES).

Segundo o mapeamento, a atividade econômica predominante é a agricultura e a pecuária, realizadas por 64% dos EES. As têxteis, de confecções, calçados e produção artesanal em geral, correspondem juntas a 21% dos empreendimentos, a prestação de serviços corresponde a 14% e a alimentação a 13%.

Cerca de 44% dos Empreendimentos Econômicos Solidários estão localizados nos nove estados da Região Nordeste. Em seguida, destaca-se a Região Sul, com cerca de 17%.

"Esta é a primeira informação nacional mais consolidada e que ma importância dessa realidade, que é a economia solidária do ponto de vista de mobilização dos trabalhadores e das comunidades pobres em buscar, de forma coletiva e auto-gestionada, uma alternativa à crise, própria do modelo de acumulação que passamos nos últimos anos", comentou à Radiobrás o coordenador de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), Valmor Schiochet.

De acordo com Schiochet, além de dimensionar essa atividade econômica no Brasil, o mapeamento tem por objetivo criar uma ferramenta para promover a inserção dos empreendedores solidários no mercado. "Estamos propondo que os empreendimentos existentes possam se apropriar dessas informações para estabelecer processos de interação econômica entre eles, o que favorece muito a perspectiva de enfrentamento do principal problema da economia solidária, que é a comercialização dos seus produtos e serviços", afirmou. Fonte: Agência Brasil

O levantamento servirá de base para a implantação do Sistema de Informações da Economia Solidária (SIES) , que ajudará na formulação de políticas públicas para o setor.

15 de fevereiro de 2006

O imperialismo correndo solto...

TORTURA EM NOME DA CIÊNCIA NO AMAPÁ(Direitos Humanos - JORNAL DO SENADO - BRASÍLIA 16 A 22 DE JANEIRO DE 2006, pág 8. Ano XII, n° 2.294/64)


Ribeirinhos se expõem aos mosquitos transmissores da MALÁRIA em pesquisa custeada por americanos


"À medida que as catraias, pequenos barcos usados para o translado de Santana (AP) às comunidades ribeirinhas, avançam no meio da floresta, casebres de madeira sobre plataformas de tábua surgem às margens do rio Pirativa. Bandeirinhas de papel de seda colorido enfeitam o barracão, que funciona como salão de festas para os visitantes ilustres, recebidos com café, suco de frutas da Amazônia e bolo de macaxeira, enquanto as mulheres dançam o 'marabaixo'.
São Raimundo de Pirativa é um comunidade QUILOMBOLA de 175 habitantes que vive, essencialmente, da agricultura. A renda média mensal das famílias, formadas por, no mínimo, 12 pessoas, é de R$300,00. Lá é raro encontrar um mulher de cerca de 35 anos com menos de dez filhos.
- Tem muita gente que dá pena, passa fome mesmo - contou Maria Ribeiro Siqueira, líder comunitária do município visitado no último fím de semana pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Cristovam Buarque (PDT-DF), para verificar a situação da 'COBAIAS HUMANAS' usadas em pesquisa financiada por instituições norte-americanas.
Atualmente, as crianças estudam num grupo escolar improvisado. A maioria dos adulto, no entanto, só sabe escrever o próprio nome. O posto de saúde mais próximo fica em Santana, a uma hora e meia de barco. Não há
saneamento básico, mas há luz elétrica gratuita, 'graças a Deus', diz Maria.
Em 2003, segundo contam os moradores, um certo Allan Kardec Gallardo, funcionário da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) cedido à Secretaria Estadual do Amapá, acompanhado por um americano que eles não sabem identificar, desembarcou no povoado com a proposta: por nove noites de trabalho, duas vezes por ano, os ribeirinhos receberiam R$108,00 e, de quebra, contribuiriam para ajudar o PROGRESSO DA CIÊNCIA ao ajudar a combater a malária. Em 15 minutos, Kardec arrebatou dez 'voluntários', que assinaram, sem ler, um contrato que dizia o seguinte: "Você será solicitado como voluntário para alimentar cem mosquitos no seu braço ou na sua perna para estudos de marcação-recaptura", acompanhado da advertência: "o risco é que você poderá contrair a malária".
O Termo de compromisso temo carimbo da Universidade da Flórida (EUA). E assim começou o infortúnio de Pirativa. Segundo Rosirene dos Santos Nunes, funcionária da Prefeitura de Santana, a incidência de malária aumentou muito com a pesquisa, suspensa em 14 de dezembro de 2005.
TODOS OS PARTICIPANTES DO PROJETO FORAM CONTAMINADOS, e a doença se espalhou entre os ribeirinhos...
"Tortura" incluía 25 picadas de uma vez
- O contrato que nós assinamos dizia que médicos iriam cuidar de nós, e isso não aconteceu. Podíamos ter morrido. Mas eles não querem saber da gente, só querem saber do mosquito - protesta Sidney Siqueira, agente de saúde voluntário, que também serviu de cobaia. Sidney usou a palavra 'tortura' para descrever o processo de alimentação do carapanã, o mosquito transmissor da malária.
- Quando nós estávamos capturando, colocávamos em um recipiente como aquele lá ( mostrou o copo de plástico coberto com tela, cheio de mosquitos). Depois colocávamos a borda do copo em nossos braços e pernas, e os mosquitos nos picavam. Eram 25 picadas por vez, até completar os cem. Alimentamos esses mosquitos durante nove noites - explicou descrevendo o que chamou de 'ato desumano'.
Segundo Raimundo Picança, a dor, às vezes, era insuportável, alguns desistiam antes de atingir a meta de cem mosquitos. Nesses casos, eles não recebiam a diária.
- Não faziam nem um curativo. O curativo era a gente chegar na beira do rio e passar água, para ver se abaixava aquela coceira, que era demais - lembrou Sidney...
Cientes de que estavam sendo explorados, os moradores passaram a se mobilizar, tentando reunir provas do que havia acontecido, com a ajuda de um advogado voluntário. A visita do promotor Haroldo Franco, de Santana,
em novembro de 2005, foi a chance de romper o silêncio. O promotor notificou Kardec, e comunicou o caso ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal.
- Não se pode fazer esse tipo de pesquisa que coloca a vida em risco. A malária é uma doença séria. O projeto original dizia que eles usariam sangue de animais domésticos presos em gaiolas - revelou ele.
O DEFNET REPUDIA ESTAS PESQUISAS QUE ROMPEM TODOS OS PRECEITOS DE BIOÉTICA E DE RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS. E SOLICITA QUE TODOS OS QUE SE INDIGNAREM QUE MANIFESTEM SEUS PROTESTOS ENVIANDO MENSAGENS AO SENADO, AO GOVERNO FEDERAL E ÀS ENTIDADES, NACIONAIS E INTERNACIONAIS, DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E LIGADAS À SAÚDE.
Em tempo - QUILOMBOLAS - são as comunidades de descendentes dos quilombos, focos de resistência à Escravidão de negros no Brasil, e que ainda hoje são tratadas desta forma excludente e racista por parte de algunspesquisadores nacionais e internacionais.
Como médico e defensor de Direitos Humanos sugiro a leitura sensibilizada e criteriosa da DECLARAÇÃO DE HELSINQUE (1964), referendada pelo Conselho Nacional de Saúde em 2000, após a 52ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, Edinburgo, Escócia, Outubro 2000, e que norteia os atuais princípios da BIOÉTICA, em especial quanto às pesquisas científicas que envolvem seres humanos.
Encontrem informações e dados no site: http://www.bioetica.org.br/legislacao/outras_diretrizes
/integra.php#4

Elegia 1938 [ou 2006?]

Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não enceram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas por entre os mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

6 de fevereiro de 2006

Você viu quem Evo Morales nomeou para Ministro da Justiça?

Eu estive lá e assino embaixo. As elites bolivianas tentaram de tudo para impedir que ele chegasse lá, e não é à toa. Ele sabe o que faz, e o povo boliviano não está pra brincadeira!
Nós perdemos nossa grande chance, talvez tenhamos que começar tudo outra vez até podermos fazer algo parecido com o que está acontecendo no país vizinho. Mas, vejamos, eles estão dando o exemplo. "Um outro mundo é possível", e talvez a Bolívia, Cuba, Venezuela, estejam mostrando como se faz...

Você viu quem Evo Morales nomeou para Ministro da Justiça?
( Jornal do Brasil - 29-01-06)

A primeira grande revolução do século 21

Emir Sader
Sociólogo

''Você viu quem 'eles' nomearam para Ministro da Justiça?'' Era a
principal e mais significativa observação da direita ao novo ministério da Bolívia. Se pela primeira vez, em mais de 400 anos, um líder indígena assume a presidência do país, o gabinete tinha que ter uma cara totalmente distinta. Maioria de indígenas, militantes da luta contra a privatização da água e dos hidro-carburetos nos Ministério da água e da minas, militante aymara no da educação, mesmo não sendo um professor, entre outros.

Mas chama especialmente a atenção que uma mulher indígena, que iniciou
sua vida laboral aos 13 anos como empregada doméstica, que foi vítima de violências, inclusive sexuais, se tornou militante sindical das empregadas domésticas, posteriormente presidente do sindicato e, como parlamentar eleita, obteve a aprovação da lei de proteção do trabalho das empregadas domésticas - tenha sido nomeada para esse cargo. Essa lei fixa o horário de oito horas de jornada, reconhece o direito a férias e a 13º salário, assim como seguro de saúde.

Ainda é minoritário o setor das empregadas sindicalizado, mas foi pelo
menos um primeiro passo, dereconhecimento legal da profissão que, lá como cá, mais emprega a jovens e mulheres pobres. É a primeira escala no mercado de trabalho para quem chega do campo, no caso da Bolívia, caracterizada também pelo fato de serem indígenas, em geral muito jovens, tal como acontece aqui.

A nomeação para um cargo usualmente ocupado por advogados, doutores,
bacharéis, juízes ou políticos de plantão, recaiu em uma mulher, indígena, jovem, dirigente do setor de empregadas domésticas, justamente porque busca proteger os mais desprotegidos e incorporar definitivamente a justiça do trabalho entre as funções essenciais da Justiça e do Ministério da Justiça - se querem portar com um mínimo de dignidade o nome de Justiça.

Essa mesma indignação nunca se manifesta quando banqueiros são
nomeados para cargos econômicos, em que decidem, segundo seus critérios e conveniências, por exemplo, o salário da grande massa de trabalhadores. Parece que economia e justiça são coisas das elites dominantes. O povo que se contente com outros temas, periféricos e mais afins com seus supostamente parcos conhecimentos.

Mas esse aspecto não é o único que distingue o governo do primeiro
líder indígena a dirigir a Bolívia. Evo Morales começa sua jornada todo dia às 5h e termina à meia-noite. A primeira reunião do ministério, realizada na quinta-feira passada, foi marcada e efetivamente se iniciou, às 6 da manhã. Tudo em obediência aos princípios fundamentais dos povos aymaras: ''não roubar, não mentir, não ser preguiçoso''. Um bom choque de produtividade e de transparência no Estado boliviano.

Além disso, Evo diminuiu seu salário, assim como de todos os ministros
pela metade, a mesma iniciativa que seu partido - o MAS, Movimento ao Socialismo - propôs para os parlamentares, iniciativa que deve ser aprovada porque esse partido detêm a maioria nas duas casas do Congresso. Esses recursos serão utilizados para elevar a verba de educação e especialmente para a campanha de alfabetização, para que a Bolívia possa, em três anos, juntar-se a Cuba e à Venezuela - que apóiam a essa campanha - como país livre do analfabetismo.

Uma rede pública nacional de rádios está sendo criada, inicialmente
para viabilizar essa campanha, mas seguirá existindo, como contribuição à democratização dos meios de comunicação.

Se quisermos anotar outras diferenças, diremos que o governo de Evo
Morales é o primeiro, no continente e no mundo, que foi eleito prometendo sair do modelo neoliberal e que já deu passos decisivos no que considera a criação de um Estado forte, para regulamentar a livre circulação do capital, mas também para fomentar a produção - centralmente a de pequenas e médias indústrias -, assim como para garantir o direito da grande maioria da população.

Por isso e por muito mais, Eduardo Galeano discursando para uma imensa
multidão nesta semana em La Paz, anunciou que termina a ditadura do medo na Bolívia, aquela que nos impõe a falsa idéia de que não podemos construir um mundo diferente do existente. A Bolívia inicia a primeira grande revolução do século 21, uma revolução democrática, com ideologia indigenista e soberania popular.

26 de janeiro de 2006

Aforismos, por Luana

Eles dão o que pensar. São simples, como devem ser os bons aforismos, mas botam o dedo em feridas não muito bem cicatrizadas. A seguir, os aforismos e uns breves comentários meus.
Trabalhar o mínimo possível, ganhar o mínimo necessário.
Lembra uma sentença do Marx: "de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidade". Mas só lembra: na verdade, referem-se a situações completamente diferentes. A da Luana diz respeito ao mundo em que vivemos e do Marx ao mundo que ele propõe. Nas duas, a questão delicada da necessidade. Quem define o que é necessário, e como? É necessário trabalhar que nem louco para comprar do bom e do melhor? Ou é mais necessário ter prazer? Ou liberdade, tempo? Em que medida o necessário é apenas o que nos acostumamos ou o que nos parece mais cômodo? Será que o "necessário" não é simplesmente o usual - sendo assim, perfeitamente questionável e mutável? Os limites não são mesmo extremamente maleáveis - para mais ou para menos?
Fora da realidade. E daqui eu olho para ela.
Para uns, estar dentro da realidade é "aceitar as regras do jogo" - questioná-las é estar fora. No entanto, das várias realidades possíveis e em choque, é bem possível que as regras do jogo tenham sido criadas numa com a pretensão de serem válidas nas demais. Acreditar nisso, parece, é também estar "fora da realidade"... então, para vcs, cá estamos.
Virgílio (e Luana, claro)

21 de janeiro de 2006

Reforma agrária

Más notícias... pero la lucha sigue!

O governo Lula fracassou na reforma agrária

Por José Juliano de Carvalho Filho*

Controvérsia sobre números não é novidade quando se trata de reforma agrária. Quem acompanha a política agrária no Brasil deve se lembrar de várias situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula.

No governo Figueiredo, final do período ditatorial, houve controvérsia sobre os números da reforma. Naquela época, final de 1984, foi oficialmente anunciada a emissão do milionésimo documento de titulação de terra. O governo de então apontava este fato como evidência de que estava em curso no país o maior programa de reforma agrária do mundo .

Os jornais publicaram várias análises. Manifestei-me a respeito em artigo publicado pela Folha de S. Paulo à época: O milhão de títulos anunciados refere-se a uma série de documentos, entre os quais se incluem títulos de propriedade definitivos para agricultores sem terra, para posseiros que já ocupavam a terra e títulos com direito a ocupação provisória. Evidentemente, a dita maior reforma agrária do mundo , e dos militares, não ocorreu. Cabe também relembrar o óbvio, ou seja, os movimentos sociais foram perseguidos e reprimidos nesse período negro da nossa história .

Em dezembro de 1995, primeiro ano do governo FHC, o presidente da República afirmava na imprensa ter conseguido cumprir a meta de campanha, assentando mais de 40 mil famílias. O MST questionava os números oficiais, apresentando o número de famílias assentadas em 1995 como inferior a 15 mil. De acordo com o movimento, a diferença se devia ao fato de que FHC, para chegar à meta de 40 mil famílias assentadas naquele ano, somara títulos de regularização fundiária de processos que vinham de governos anteriores e, ainda, de títulos de posseiros. Para o MST, a meta anunciada pelo governo se referia a 40 mil novas famílias que seriam assentadas.

Megalomania tucana

Durante a campanha pela reeleição, sempre a inflar seus supostos feitos, o então candidato FHC afirmava pelo site do Incra: O Brasil está realizando a maior reforma agrária em curso no mundo. Na televisão, na propaganda oficial, ator famoso anunciava: Uma família assentada a cada cinco minutos.

O segundo mandato, marcado pela chamada reforma agrária de mercado de FHC, desmontou conceitos e condições para uma distribuição fundiária efetiva. Duas linhas de atuação norteavam o governo. De um lado, agressividade na implementação da política fundiária, anúncio de medidas e números, sempre, com razão, contestados. De outro, com a conivência da mídia, crítica contínua aos movimentos sociais, sobretudo, o MST com os objetivos de desqualificá-los, enfraquecê-los e criminalizá-los. Essa outra maior reforma agrária em curso no mundo também não ocorreu.

Chegamos ao governo Lula. De início, houve esperança na concretização da aspirada reforma agrária. Foi encomendada uma proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Seu objetivo era desencadear o tão necessário processo de mudança estrutural em favor das populações vulneráveis ao modelo vigente e reverter o processo de concentração fundiária.

A proposta não foi aceita. Em seu lugar, o governo anunciou o II PNRA. Mais tímido em suas metas, significou o abandono da pretensão de instalar um processo de alteração da absurda estrutura agrária brasileira. Mesmo assim, houve colaboração por parte dos movimentos no sentido de acordar com o governo um conjunto de metas que significassem uma política fundiária aceitável.

Nova frustração

Em 22 de dezembro último, depois de anunciar que a meta anual havia sido superada, o governo emite nota em resposta à crítica recebida do MST por carta em outubro, durante a Assembléia Popular, em Brasília. Entre outras afirmativas, diz que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no II PNRA... o melhor desempenho da reforma agrária em toda a nossa história . Rebate ainda as contestações do MST afirmando que o Movimento faz crítica leviana e procura estabelecer com o governo um debate sem nenhuma seriedade .

A análise dos dados disponíveis confirma a crítica ao governo. Das 127,5 mil famílias consideradas assentadas em 2005, apenas 45,7% o foram em áreas de reforma agrária. O restante 54,3% refere-se a assentamentos ou reordenação de assentamentos em terras públicas. Os dados também mostram que grande parte dos assentamentos ocorre em áreas de fronteira agrícola, seguindo o comportamento de governos anteriores. O geógrafo Bernardo Mançano, da USP, com as informações do Banco de Dados de Luta pela Terra , prova que nos três anos do governo Lula apenas 25% das famílias foram assentadas em terras desapropriadas.

A reforma agrária no governo Lula não tem capacidade de alterar a estrutura fundiária. Os únicos resultados positivos se referem ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que é pouco para sustentar a afirmativa de que reforma agrária de qualidade está a ser efetivada. O que ainda diferenciava o governo Lula dos demais era a sua postura em relação aos movimentos sociais. Agora, nem isso. Sua política é inócua ao latifúndio. Não atinge o monopólio da terra.

* José Juliano de Carvalho Filho é professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou na elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária e é dirigente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA).

Fonte: Letra Viva - mailing list do MST

Cisões

No aniversário de uma grande amiga, não pudemos estar com ela porque estava viajando - desestressando, disse ela. Sem querer julgar se estava mesmo estressada ou não, se deveria estar com a gente ou não, seu exemplo fez pensar na vida cindida a que estamos obrigados a ter:
  • Trabalhamos que nem camelo durante a semana à espera do fim de semana redentor; em pequena escala, o dia de trabalho e o happy hour, em maior escala os meses entremeados de períodos (cada vez menores) de férias;
  • A atividade física e a mental - trabalho intelectual e "braçal", ou a "teoria" e a "prática";
  • O homem e a natureza (sejam lá o que forem); Cidade e campo; cultura e biologia;
  • Masculino e feminino; jovens e velhos;
  • Pobres e ricos (ah, aí tem pano pra manga...); esquerda e direita;
  • Sujeito e objeto (enveredando na filosofia tem dicotomias à vontade...);
E outros tantos dualismos com que temos que lidar o tempo todo. O pior é que a cisão chega ao ponto em que não se consegue sequer vislumbrar o que não seja enquadrado nesse molde. Não se ultrapassa a cisão, apenas se finge que a dualidade é superada por uma "síntese". Só que ela é, na verdade, a sujeição de um pólo ao outro:
  • A sujeição da diversão ao trabalho: você TEM que gostar do que faz, o trabalho DEVE ser também uma diversão. Mas você também tem que deixar o celular ligado o tempo todo, para que te encontrem.
  • As faculdades que formam "na prática". O "na prática, a teoria é outra". Por outro lado, se você não está do lado "mental" do trabalho - técnicos, gerentes, etc, seu trabalho é insignificante e você pode nem ser notado;
  • A "integração do homem na natureza" virou biocentrismo. A da cidade ao campo virou condomínios fechados pra classe média/alta que tem medo da "violência". A cultura virou mera manifestação dos genes...
  • As mulheres competindo com os homens, adotando o padrão masculino (estereotipado) de ação. Os "adultos" cada vez mais tentando afastar a velhice e se manter "jovens" por mais tempo;
  • O modelo neoliberal "serve" pra todos. Mas sobra uma assistenciazinha para "incluir os excluídos", mantendo-os, evidentemente, pobres.
  • Não precisamos entrar nessa seara, não?
Escapar disso... putz! Eu sempre lembro do Raymond Williams - só podemos escapar à divisão nos recusando a ser divididos. Isso é uma decisão pessoal, e logo em seguida uma ação social. Assim seja! Esse blog tem um pouco a ver com isso tudo...
E à minha amiga, feliz aniversário, bom descanso, volte com tudo!

20 de janeiro de 2006

Despejo na Favela (Adoniran Barbosa)

Quando o oficial da polícia chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo,
Entregou pra seu Narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
Assinada, seu doutor
Assim dizia a petição
"Dentro de dez dias
Quero a favela vazia
E os barracos todos no chão"
- É uma ordem superior

o-o-o-o-ô, meu senhor,
É uma ordem superior

- Não tem nada não, seu doutor
Amanhã mesmo
Vou deixar meu barracão
Não tem nada não
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator

Pra mim não tem problema,
Em qualquer canto me arrumo,
De qualquer jeito me ajeito,
Depois, o que eu tenho é tão pouco,
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás.
Mas e essa gente aí, hein? Como é que faz?

o-o-o-o-ô, meu senhor,
Essa gente aí, como é que faz?

Inauguro este meu blog dedicando a música que lhe dá nome ao nosso ignóbil prefeito Zé Ferra, e o reacionário subprefeito da Sé, Déinha Mata-raso...