3 de maio de 2006

Si, podemos

Dois eventos recentes me fizeram lembrar muito da viagem à Bolívia que fiz no ano passado. O primeiro diz respeito de fato à Bolívia, e se trata da nacionalização do gás anunciada pelo governo de Evo Morales. O segundo é a greve de fome do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Os dois eventos, juntos, compõem um quadro interessantíssimo que permitem o contraste entre Brasil e Bolívia, numa comparação em que o nosso país, sou obrigado a admitir, está em grande desvantagem em relação aos nossos vizinhos. Vejamos.
No caso da nacionalização do gás, devo dizer que o anúncio só pegou de surpresa quem não conhece a Bolívia. Se isso incluiu a Petrobras, a estatal agiu com absoluta inocência ou arrogância, ao achar que na Bolívia tudo se conduz como no Brasil. Pagarão pelo erro, em português simples e direto. Para mim, foi uma surpresa apenas em certa medida – fiquei muito mais surpreso quando eu soube que Evo Morales venceu a eleição, contrariando até expectativas na Bolívia. A nacionalização fazia parte do programa defendido pelo MAS (Movimento Ao Socialismo, partido de Morales) há muito tempo. Talvez a elite brasileira (e a Petrobras, o governo, a imprensa) acreditasse que tudo não passava de discurso para conquistar as “massas”. Na arrogante e ignorante interpretação da nossa inteligentsia, Evo seria dobrado pelas “circunstâncias” e pela “realidade”. Agora ela terá que rever suas premissas e se dobrar, ela sim, à realidade: Evo não é Lula, Bolívia não é o Brasil.
Estamos acostumados demais, a ponto de achar que isso é a regra geral, com o hábito das promessas irresponsáveis e inconseqüentes de campanha eleitoral. Promete-se o que se sabe que não vai cumprir, na certeza de que nunca ninguém será cobrado por isso. De fato, é até atípico (embora não exatamente estranho) que Lula seja tão cobrado em sua promessa de gerar 10 milhões de empregos. Assim, o que parece ter causado espanto é o fato de Evo Morales ter cumprido o que prometeu. Mas não é pouca coisa: é como se Lula tivesse encampado e promovido de fato a reforma agrária no Brasil.
A ideologia neoliberal sofreu efetivamente um duro golpe com essa nacionalização. As leis do mercado, esse fantasma, não foram suficientes para conter o impulso nacionalista (sem julgamento de valor no uso desta expressão) boliviano. É compreensível o espanto da elite brasileira: ela não é capaz, nos dias de hoje, de sequer imaginar uma postura tão autônoma, tão insubmissa. E talvez sirva para redimensionarmos nossa idéia da importância da tão propalada “vontade política” – o que pode ser extremamente salutar, para tirar-nos do fatalismo acomodado de acreditar que as “determinações estruturais” são inescapáveis...
Do segundo episódio, a comparação é direta: enquanto estive na Bolívia, vimos também políticos de alto escalão (governantes, inclusive) iniciando greve de fome para pressionar o governo federal a repensar a distribuição dos impostos sobre o gás natural. O que se viu foi um recuo quase imediato do governo e a reabertura de negociações. A greve de fome foi levada a sério, e teve resultados políticos importantes. No Brasil, além das motivações absolutamente diversas (trata-se evidentemente de mera bravata demagógica de Garotinho), ninguém parece acreditar que a greve de fome irá muito adiante. Ao que parece, a diferença é que na Bolívia o prometido se cumpre...

Um comentário:

Anônimo disse...

A coisa repercutiu muito aqui tb, Morales esta conquistando respeito...