22 de janeiro de 2015

Oposição e crítica

Nos últimos dias eu tenho recebido ou visto algumas postagens no Facebook que mostram as iniciativas recentes do governo federal (personalizados diretamente na figura da presidente, Dilma, ou do partido, o PT - como se o governo não fosse uma composição de forças, grupos, partidos, etc... mas ok, vamos em frente). Basicamente, o teor é algo como "bem-feito! Quem mandou eleger a Dilma?". Querem que eu responda "como posso apoiar esse governo que faz esse tipo de coisa". Vou tentar responder... mas, como de praxe, sou obrigado a dizer que a resposta não é simples, então que o leitor tenha paciência e boa vontade de ler até o fim.
A primeira coisa a dizer é: desde o primeiro momento em que declarei meu voto em Dilma, eu disse que "voto não é cheque em branco", e que estaria atento e vigilante, e criticaria o que achasse que é digno de crítica. Onde está escrito que o apoio deve sempre ser incondicional e irrestrito? Eu não assinei compromisso nenhum. Então, não tenho vergonha nenhuma - e não acho que seja hipocrisia nenhuma - dizer que sou crítico, e muito, de algumas das ações anunciadas recentemente. Por exemplo, a nomeação de Kassab e Kátia Abreu para o ministério para mim ainda é duro de engolir. Das medidas econômicas eu posso falar menos, mas recebi com estranhamento sim algumas das medidas anunciadas. E não é de hoje - na verdade, desde o primeiro governo Lula - que eu tenho críticas à política ambiental, e ao discurso que atribui ao licenciamento ambiental ou às comunidades tradicionais um suposto "entrave" aos megaprojetos (a começar pelas hidrelétricas na Amazônia). Eu esperava muito mais de um governo (ou de um partido) que nasceu das lutas populares.
Com isso, quero dizer que estou decepcionado com o governo petista, e com Dilma em particular? Sim e não. Ou: sim, em parte. Nesses pontos que indiquei eu digo que sim, sem medo. Poderia ainda apontar outros aspectos: o programa habitacional (coisa que é da minha área) tem méritos, mas também merece críticas; o subsídio à indústria automobilística, a proteção aos bancos e grandes grupos econômicos, o apoio à criminalização de certos movimentos sociais, etc (calma, vou falar da corrupção mais à frente). Eu posso dizer que tenho sim minhas insatisfações, mas apenas porque sei o que eu defendi ao votar nesse governo. E porque sei o que não queria a maioria dos candidatos oposicionistas. Posso dizer que critico aspectos do atual governo naquilo em que ele não corresponde ao que eu apoiei.
Mas o que me incomoda muito nessas postagens que citei é que a crítica que fazem não é a mesma que eu faço. Porque basicamente criticam Dilma por aquilo em que ela mais se parece com sua oposição. Bem, eu posso fazer essa crítica, porque não apoiei essa política. Mas qual o sentido de que ela seja criticada por aqueles que defenderam desde o início tudo aquilo que ela vem fazendo? Como podem aqueles que apoiaram exatamente esse projeto estarem agora exigindo de mim alguma "coerência" e querendo que eu defenda o que sempre critiquei, apenas porque o partido é outro? É apenas uma armadilha retórica: não importa o que eu diga (critique ou defenda), serei acusado de ser "hipócrita" (ô palavrinha mais banalizada...). Ou porque "defendo" um governo no que ele tem de menos afinado com o que eu apoiei nas eleições, ou porque critico algo que, supostamente, estou condenado a defender irrestritamente só por causa de um voto.
Para que fique bem claro: estamos falando da alta dos impostos, da primazia à política financeira (política econômica é um tanto mais que isso...), da revisão de benefícios sociais. Nada que um bom governo tucano não fizesse (vemos isso aqui em São Paulo). Mas eles propunham ainda mais: flexibilização da CLT, desvalorização do salário mínimo ("muito alto", segundo o eventual ministro da economia), redução dos investimentos em programas sociais (e não estamos falando de contingenciamento de verbas). Não fui e não sou a favor de nada disso. E continuo contra o discurso da oposição no que diz respeito à estigmatização dos beneficiários de programas como o Bolsa Família ("esmola", "Bolsa-vagabundo"...), ou de uma parcela enorme do eleitorado ("nordestinos são analfabetos, por isso votam no PT"), contra redução da maioridade penal e o discurso de ódio (pena de morte, "tá com pena, leva pra casa"), entre outros exemplos da maravilhosa campanha "moral" e "ética" da oposição nas últimas eleições.
No fim das contas, eu sei porque defendo o governo federal e sei porque o critico. Não estou certo, porém, que os opositores tenham essa clareza. Talvez achem que um governo tucano fosse ser um conto de fadas, ou seria o contrário desse - contrário em quê? Na política econômica, que é o que mais aproxima os dois partidos? Será que acreditam que o PSDB governaria sem o apoio do PMDB? A mim, parece que é a oposição pela oposição: se é do PT, só pode ser ruim. E se é ruim, tem que envolver o PT. Se reconhecer algo de positivo, automaticamente tem que aceitar tudo. E se criticar, tem que criticar tudo também. Porque, afinal, sabemos bem que a realidade é binária: positivo ou negativo, bom e mau, mocinho e bandido... Não. Eu não penso assim, e não vou me deixar empurrar para esse reducionismo.
Ah, sim, a corrupção. Algumas pessoas acham que defender o governo federal é ser favorável a, ou conivente com, ou até integrante de, esquemas de corrupção. É evidente que eu não sou. Mas não acho que tenha muito mais a acrescentar: os esquemas estão sendo denunciados e investigados (coisa que nem sempre são), julgados (o que poucas vezes foi) e até condenados (quando haviam sido, antes?). Eu apenas quero, a respeito disso, que todos os envolvidos sejam de fato envolvidos, não importa a coloração partidária, os interesses que representam ou a instância administrativa a que pertencem. E quero que os julgamentos sejam justos, imparciais, dentro da lei. Eu não vou "defender bandido", mas também não vou entrar nessa de que vale tudo para punir a torto e a direito (punição não é vingança).
Acho que é isso. Agora podemos discutir política, e parar de brincar de torcida uniformizada dos partidos, certo? Um abraço a você que leu até aqui.