15 de setembro de 2006

Moralismo e política

Os adversários do PT teriam muitos argumentos possíveis se quisessem me convencer a não reeleger o presidente Lula. A insistência em levar o debate para o campo da moralidade, no entanto, me leva cada vez mais na direção oposta - a de querer essa oposição o mais longe possível do governo, de preferência sem o "prêmio" de ser derrotada apenas num segundo turno.
O primeiro mandato de Lula à presidência foi frustrante a todos aqueles que esperavam um governo inovador e transformador. Ao contrário, alguns dos maiores beneficiados foram justamente os que não se queria que fossem: o sistema financeiro, o agronegócio dos latifundiários, etc.
Se alguém conseguisse me convencer que qualquer outro candidato dispõe de propostas mais sólidas para a área ambiental (por exemplo, planejar e fazer aplicar o planejamento da ordenação territorial do cerrado e da Amazônia), que trouxesse propostas de fortalecimento e universalização da escola pública em todos os níveis, que tenha propostas claras e realistas de universalização do saneamento básico e de redução do déficit habitacional. Mas tudo parece, aos olhos da oposição tucana-pefelista, uma mera questão de "gestão" - leia-se: redução de gastos, com privatizações generalizadas, demissões, "flexibilização" das leis trabalhistas (melhor seria dar o nome correto: precarização das condições de trabalho). Pior ainda: basta garantir a "moralidade" da administração. Um discurso com cheiro, cor e gosto de TFP que eu me recuso a engolir.
Dizer que esse governo foi "o pior de todos", ou "o mais corrupto de todos os tempos" é, no mínimo, dar crédito excessivo a declarações de políticos tão "nobres" quanto Antônio Carlos Magalhães, ou de veículos da imprensa tão "isentos" quanto a Veja. É impossível julgar um governo com base apenas em afirmações bombásticas de raposas velhas da política ou de uma imprensa inteiramente comprometida. Aliás, não consigo deixar de achar ridículo ouvir ACM & cia. dizerem coisas desse tipo; no mínimo, a declaração requer um complemento: deve ser o mais corrupto que já viram do lado de fora. Basta lembrar a gestão escandalosa que foi a do Malvadeza à frente do Ministério das Comunicações com o Sarney...
Por exemplo, se os noticiosos quisessem prestar serviço à boa informação, no mínimo tratariam de investigar as credenciais de quem afirma ser guardião da moralidade. Sem contar com o auxílio da imprensa, a população em geral parece ter seguido a constatação, muito mais pragmática do que se costuma admitir, de que "se gritar 'pega ladrão' não fica um, meu irmão". Ou seja: pela "moralidade" não se distingue alhos de bugalhos, escarlate de azul, estrela de pássaro. Qual outro critério? Talvez um outro, bastante objetivo: "minha vida melhorou nos últimos quatro anos?". Aí cabe o julgamento de cada um, e não o preconceito de que quem ainda vota no PT está "mal informado", ou "alienado". É a resposta comodista de quem, em momento algum, se deu ao trabalho de verificar na prática, concretamente, o que está acontecendo com a vida das pessoas mais pobres pelo país afora. Goste-se ou não, a população pensa, e não apenas os "formadores de opinião". Cada um reflete à sua maneira sobre o que acontece em sua própria vida, e tira conclusões a partir de seu repertório de conhecimentos e experiências. Não nos cabe desqualificar essas conclusões, ainda que discordemos dos critérios que cada um adota.
De resto, quem lembra de Nelson Rodrigues já fica desconfiado: discurso moralista é estridência para desviar a atenção. Acusa-se a sujeira de fora para não chamar a atenção para a imundície de dentro...

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