21 de janeiro de 2006

Cisões

No aniversário de uma grande amiga, não pudemos estar com ela porque estava viajando - desestressando, disse ela. Sem querer julgar se estava mesmo estressada ou não, se deveria estar com a gente ou não, seu exemplo fez pensar na vida cindida a que estamos obrigados a ter:
  • Trabalhamos que nem camelo durante a semana à espera do fim de semana redentor; em pequena escala, o dia de trabalho e o happy hour, em maior escala os meses entremeados de períodos (cada vez menores) de férias;
  • A atividade física e a mental - trabalho intelectual e "braçal", ou a "teoria" e a "prática";
  • O homem e a natureza (sejam lá o que forem); Cidade e campo; cultura e biologia;
  • Masculino e feminino; jovens e velhos;
  • Pobres e ricos (ah, aí tem pano pra manga...); esquerda e direita;
  • Sujeito e objeto (enveredando na filosofia tem dicotomias à vontade...);
E outros tantos dualismos com que temos que lidar o tempo todo. O pior é que a cisão chega ao ponto em que não se consegue sequer vislumbrar o que não seja enquadrado nesse molde. Não se ultrapassa a cisão, apenas se finge que a dualidade é superada por uma "síntese". Só que ela é, na verdade, a sujeição de um pólo ao outro:
  • A sujeição da diversão ao trabalho: você TEM que gostar do que faz, o trabalho DEVE ser também uma diversão. Mas você também tem que deixar o celular ligado o tempo todo, para que te encontrem.
  • As faculdades que formam "na prática". O "na prática, a teoria é outra". Por outro lado, se você não está do lado "mental" do trabalho - técnicos, gerentes, etc, seu trabalho é insignificante e você pode nem ser notado;
  • A "integração do homem na natureza" virou biocentrismo. A da cidade ao campo virou condomínios fechados pra classe média/alta que tem medo da "violência". A cultura virou mera manifestação dos genes...
  • As mulheres competindo com os homens, adotando o padrão masculino (estereotipado) de ação. Os "adultos" cada vez mais tentando afastar a velhice e se manter "jovens" por mais tempo;
  • O modelo neoliberal "serve" pra todos. Mas sobra uma assistenciazinha para "incluir os excluídos", mantendo-os, evidentemente, pobres.
  • Não precisamos entrar nessa seara, não?
Escapar disso... putz! Eu sempre lembro do Raymond Williams - só podemos escapar à divisão nos recusando a ser divididos. Isso é uma decisão pessoal, e logo em seguida uma ação social. Assim seja! Esse blog tem um pouco a ver com isso tudo...
E à minha amiga, feliz aniversário, bom descanso, volte com tudo!

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