A campanha da seleção brasileira nesta Copa do Mundo trouxe à baila uma série de comentários sobre uma "crise" do futebol brasileiro, chamamentos à sua reforma (ou revolução, conforme prefiram alguns), necessidade de se "reinventar" ou se "redescobrir". A sensação geral que perpassa todos esses comentários é a de que algo se perdeu e precisa ser resgatado. Um traço da "personalidade" brasileira, de sua identidade. Para uns, o erro esteve em abandonar o futebol que era o "típico" futebol brasileiro: o toque, o drible, a ginga e o... improviso. Outros, na direção contrária, apontam como erro a recusa do futebol brasileiro em se "modernizar", segundo os parâmetros do futebol... quem adivinha?... europeu (é claro). A esses últimos não posso deixar de lembrar que foi justamente o clamor pela "modernização" (após quatro copas de "fracassos" entre 1970 e 1986, quando tivemos excelentes times mas não conseguimos "ganhar a Copa") que nos levou à famigerada "era Dunga" de Sebastião Lazzaroni... É toda uma geração de atletas, treinadores, cartolas e jornalistas que vem dizendo, há décadas, que o futebol brasileiro precisa se profissionalizar, modernizar. Que o jogador precisa, antes de tudo, de condicionamento físico e tático, etc etc etc.
Curiosamente, a mesma sensação de perda ou descaracterização tem rondado muito do que se fala sobre a nossa música. Assim como no futebol, onde lamentamos a ausência de Pelés, Garrinchas, Zicos ou quetais, também suspiramos ante a ausência atual de Jobins, Chicos, Caetanos... A impressão de "decadência" ou (para usar um termo ainda mais forte) "degeneração" da nossa música é provada pela preponderância dos pagodes mela-cueca, do "sertanejo universitário" ou o que quer que seja. Aqui também a discussão se dá em torno da questão da "identidade nacional": estaríamos abandonando nossas "raízes" em favor de uma sonoridade "globalizada", ou a realidade é que a modernização é um processo irrefreável?
A única resposta que me ocorre, num caso como no outro, é a que tenho dado repetidamente nos últimos tempos: não generalizemos. Para entender o que ocorre com o futebol e com a música no Brasil, é preciso ser capaz, primeiramente, de circunscrever a questão, para depois olhar para o lado de fora. Estamos falando de um futebol e de uma música que se tornaram imensas e poderosas atividades econômicas. São parte de uma indústria de entretenimento ou de esportes altamente profissionalizados, globalizados (e, quando digo isso, estou dizendo também que integram um circuito altamente financeirizado, especulativo e competitivo segundo os ditames neoliberais que regem essa tal "globalização"). São atividades em que o fim não é o esporte ou a arte em si, mas o lucro que geram. Mas, nem de longe, essa música e esse futebol correspondem à totalidade do que se faz no Brasil.
Que se diga então que as atividades econômicas baseadas na cultura ou no esporte brasileiros precisariam se reformular e transformar. Perguntemos: para quê, e para quem? Ganhamos duas Copas do Mundo desde Lazzaroni até hoje (ou seja, em plena globalização), e temos jogadores frequentemente listados entre os mais valiosos do mundo, ou entre os maiores jogadores do mundo (talvez, circunstancialmente, estejamos numa fase de vacas magras... mas já passamos por isso antes). Do mesmo jeito, artistas brasileiros têm participado ativamente de circuitos internacionalizados da música. O negócio vai bem, sim, obrigado. Quem lucra com ele continua lucrando.
Algo me diz, porém, que o futebol e a música que gostaríamos mesmo de reconhecer como nossa está longe das "arenas" ou dos programas de televisão. Posso dizer pela música, que conheço um pouco melhor: exatamente agora, há uma geração absolutamente fantástica de compositores, intérpretes, instrumentistas, que não devem nada às gerações anteriores em termos de inventividade, exploração, domínio dos repertórios tradicionais e capacidade de reelaboração dessa mesma tradição. Que talvez esperem apenas o momento de sua "descoberta", se é que esperam. Na verdade, para muitos deles, isso não faz diferença: integrar o circuito da "indústria musical" é visto muitas vezes como limitante - ainda que, talvez, muitos desejassem poder viver de sua arte.
No futebol, onde parece se generalizar a ideia de que tudo não passa de um grande negócio (com as constantes suspeitas de manipulação e ingerências de toda espécie), nada me impede de imaginar que exista ainda, em outros campos, talvez nas ruas, e longe das "escolinhas de futebol", da visão dos "olheiros" e do alcance dos "empresários". Um futebol que, como a música, é primeiramente praticado pelo prazer de jogar. Ali talvez encontremos ainda os nossos talentos, o improviso, o jogo coletivo, o toque de bola. Ali também poderemos encontrar quem pouco se importe com a "profissionalização" e não faça nenhuma questão de ser um novo astro. Embora, também, talvez haja quem desejasse poder viver do que sabe fazer de melhor.
Não é preciso medir o sucesso da nossa música ou do nosso futebol pelo título na Copa do Mundo ou pelo vencedor de "Ídolos". E, principalmente, não é preciso medir nosso valor como "povo" ou "nação" usando réguas que não são nossas. Não há porque duvidar que voltemos a ser campeões do mundo, não há porque achar que nunca mais teremos outros Chicos e Tons. Mas estaremos simplesmente errando o foco se quisermos orientar nossas artes maiores para a obtenção de "resultados", segundo uma lógica estritamente empresarial. Vamos brincar de novo.
Curiosamente, a mesma sensação de perda ou descaracterização tem rondado muito do que se fala sobre a nossa música. Assim como no futebol, onde lamentamos a ausência de Pelés, Garrinchas, Zicos ou quetais, também suspiramos ante a ausência atual de Jobins, Chicos, Caetanos... A impressão de "decadência" ou (para usar um termo ainda mais forte) "degeneração" da nossa música é provada pela preponderância dos pagodes mela-cueca, do "sertanejo universitário" ou o que quer que seja. Aqui também a discussão se dá em torno da questão da "identidade nacional": estaríamos abandonando nossas "raízes" em favor de uma sonoridade "globalizada", ou a realidade é que a modernização é um processo irrefreável?
A única resposta que me ocorre, num caso como no outro, é a que tenho dado repetidamente nos últimos tempos: não generalizemos. Para entender o que ocorre com o futebol e com a música no Brasil, é preciso ser capaz, primeiramente, de circunscrever a questão, para depois olhar para o lado de fora. Estamos falando de um futebol e de uma música que se tornaram imensas e poderosas atividades econômicas. São parte de uma indústria de entretenimento ou de esportes altamente profissionalizados, globalizados (e, quando digo isso, estou dizendo também que integram um circuito altamente financeirizado, especulativo e competitivo segundo os ditames neoliberais que regem essa tal "globalização"). São atividades em que o fim não é o esporte ou a arte em si, mas o lucro que geram. Mas, nem de longe, essa música e esse futebol correspondem à totalidade do que se faz no Brasil.
Que se diga então que as atividades econômicas baseadas na cultura ou no esporte brasileiros precisariam se reformular e transformar. Perguntemos: para quê, e para quem? Ganhamos duas Copas do Mundo desde Lazzaroni até hoje (ou seja, em plena globalização), e temos jogadores frequentemente listados entre os mais valiosos do mundo, ou entre os maiores jogadores do mundo (talvez, circunstancialmente, estejamos numa fase de vacas magras... mas já passamos por isso antes). Do mesmo jeito, artistas brasileiros têm participado ativamente de circuitos internacionalizados da música. O negócio vai bem, sim, obrigado. Quem lucra com ele continua lucrando.
Algo me diz, porém, que o futebol e a música que gostaríamos mesmo de reconhecer como nossa está longe das "arenas" ou dos programas de televisão. Posso dizer pela música, que conheço um pouco melhor: exatamente agora, há uma geração absolutamente fantástica de compositores, intérpretes, instrumentistas, que não devem nada às gerações anteriores em termos de inventividade, exploração, domínio dos repertórios tradicionais e capacidade de reelaboração dessa mesma tradição. Que talvez esperem apenas o momento de sua "descoberta", se é que esperam. Na verdade, para muitos deles, isso não faz diferença: integrar o circuito da "indústria musical" é visto muitas vezes como limitante - ainda que, talvez, muitos desejassem poder viver de sua arte.
No futebol, onde parece se generalizar a ideia de que tudo não passa de um grande negócio (com as constantes suspeitas de manipulação e ingerências de toda espécie), nada me impede de imaginar que exista ainda, em outros campos, talvez nas ruas, e longe das "escolinhas de futebol", da visão dos "olheiros" e do alcance dos "empresários". Um futebol que, como a música, é primeiramente praticado pelo prazer de jogar. Ali talvez encontremos ainda os nossos talentos, o improviso, o jogo coletivo, o toque de bola. Ali também poderemos encontrar quem pouco se importe com a "profissionalização" e não faça nenhuma questão de ser um novo astro. Embora, também, talvez haja quem desejasse poder viver do que sabe fazer de melhor.
Não é preciso medir o sucesso da nossa música ou do nosso futebol pelo título na Copa do Mundo ou pelo vencedor de "Ídolos". E, principalmente, não é preciso medir nosso valor como "povo" ou "nação" usando réguas que não são nossas. Não há porque duvidar que voltemos a ser campeões do mundo, não há porque achar que nunca mais teremos outros Chicos e Tons. Mas estaremos simplesmente errando o foco se quisermos orientar nossas artes maiores para a obtenção de "resultados", segundo uma lógica estritamente empresarial. Vamos brincar de novo.