11 de julho de 2014

Da seleção ao Brasil Genérico


Mal acabou a partida em que a seleção brasileira de futebol foi vencida pela alemã pelo inacreditável placar de 7 x 1, já começaram a surgir os textos que, junto com a demanda justa por uma grande transformação do futebol brasileiro (mais organização, mais profissionalismo, mais preparação e planejamento, etc.) trouxe também uma série de interpretações que tentavam justificar o fracasso futebolístico a partir de uma tentativa de tornar a seleção um emblema ou síntese de toda a nação ou de seu povo.
Há uma longa tradição de ensaios interpretativos da nação, na qual às vezes elementos supostamente simples (como o carnaval) são tomados como um ponto de interseção de múltiplos traços do "caráter nacional". Geralmente, ensaios filosóficos, antropológicos, sociológicos, que procuram extrair de um indício (no caso, a partida de futebol) uma possível confluência de vários outros processos ou caracteres que poderiam ser elucidados a partir desse evento sintético. Evidentemente, poucos deles (se é que algum) têm o mesmo sucesso, e sequer a mesma perspicácia ou profundidade de um Sérgio Buarque de Hollanda. Na maioria esmagadora dos casos, recorre-se a concepções já bastante desgastadas da "identidade nacional" ou a estereótipos, preconceitos, generalizações rasas. Muito eficientes pra alimentar uma boa discussão de boteco, mas que pouco acrescentaria a um debate mais sério sobre o país.
Isso porque, basicamente, os termos da discussão se amparam em noções genéricas tão vagas quanto discutíveis: para ficar em um só exemplo, afinal quem é "o" brasileiro? Quem pode afirmar que "o brasileiro" não é racional, não planeja, é "malandro", trata tudo na base do "improviso"? Pergunto ao leitor: em que medida você mesmo se identifica com essa descrição? Com muito boa (ou má) vontade, talvez você admita um traço de malandragem aqui, um pouco de improviso acolá, mas tenho certeza de que, no geral, sua vida é pautada por decisões, e várias delas são profundamente refletidas.
O problema é tão velho quanto os estereótipos que alimentam esse tipo de discussão: o "brasileiro" ou o "Brasil", genericamente falando, é uma abstração de quem o vê de cima ou de fora. Esses raramente se dão ao trabalho de compreender situações e contextos reais, específicos em seu tempo e espaço. E raramente enxergam na "malandragem" uma resposta, dentre outras possíveis, a uma opressão violentíssima e historicamente constante contra a população. Ou a suposta "falta de planejamento" a um descaso com o interesse público da parte de quem, seja como for, sairá sempre ganhando. Essas generalizações, quase invariavelmente, assumem um tom depreciativo, e essa depreciação incide invariavelmente sobre aqueles com os quais o narrador se recusa a se identificar. Estão, portanto, sempre abaixo. Curiosamente, esses são os textos que, supostamente, estariam fazendo o grande favor de "politizar" uma atividade que, se tratada nos estritos limites de sua própria realização (o futebol), conduziriam invariavelmente à alienação.
Eu, thompsoniano assumido, recuso essas generalizações idealistas e opto sempre pelo caminho (ainda que mais trabalhoso e menos confortante) de examinar o "povo brasileiro" em casos concretos, em situações reais, em meio a conflitos e tensões, com recursos limitados e pouca "visão do todo" (que, na realidade, nenhum sujeito histórico realmente tem), com possibilidades e escolhas limitadas, e entender em meio a isso tudo que respostas são dadas aos problemas e por quê. É fato que não consigo, na maioria das vezes, depreender uma "regra" que me permita julgar uma nação e um povo como se fosse uma unidade indistinta e uniforme. Mas consigo preservar alguma prudência para observar quem está falando, de que posição (e a que distância), sobre quem, e julgar se desejo me alinhar a ele - e, quase sempre, prefiro não.
Ganho, ainda, outro benefício: rio e choro junto com todos os outros, sem julgá-los. E assisto ao futebol me divertindo ou sofrendo com eles (como foi neste jogo Brasil x Alemanha) sem arrogância nem pedantismo.

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