15 de setembro de 2006

Questões de um debate acadêmico

  • A Modernidade é associada a noções de transitório, contingente, de fragmentário, de ambíguo e contraditório. Mas cada uma dessas noções tem seus sentidos diversos, e representam facetas bastante diferenciadas do que se entende por “modernidade” ou “moderno”
  • A idéia de “permanente mudança” é característica, mas não privilégio da modernidade – vide I Ching ou alguns dos pré-socráticos. Merece discussão a experiência histórica específica em ela se funda (mesmo o resgate contemporâneo desses outros sistemas filosóficos é revelador dessa concepção de mundo, mas ainda assim ela é específica).
  • Modernização, tomada como categoria abstrata, tende a ocultar ou escamotear seu conteúdo social e histórico. Pode-se acrescentar que, neste caso, se trata de construção idealista (e ideológica) que embute julgamentos de valor que deveriam ser objeto de investigação e não premissas adotadas.
  • A separação do social em três econômico, político, cultural não é uma questão desprezível! Há profundas implicações nessa divisão, e envolvem ênfases e primazias. Seleciona-se o interlocutor de antemão...
  • A parte e o todo: visão “global” não deverá nunca se furtar ao “laboratório de testes” que o específico/particular oferece.
  • A noção de progresso é fundamental ao projeto da modernidade (modernidade = progresso => tradição = atraso). Daí a relevância de uma representação sarcástica como a de Adoniran (‘pogréssio’).
  • Projeto (desígnio): processo intelectual (racional). Devemos apenas ser cuidadosos em não associar racionalidade a racionalismo (razão como uma modalidade “superior” de cognição). Historicamente, esse julgamento teve conseqüências muito sérias, sobretudo no contato do europeu com outros povos, levando o colonizador a menosprezar ou infantilizar outras formas de conhecimento.
  • O projeto é desejo, não necessidade. E o projeto urbano é um desejo coletivo. Mas de que coletividade?
  • O lugar da história: os usos da história (legitimação, construção de identidades...). Qual a história que estamos fazendo?
  • A Revolução tecnológica - "tecnologias mudam radicalmente o sentido do viver": em que medida muda mesmo? Determinismo tecnológico? Muda para quem?)
  • Transformação do mercado de bens de consumo: democratização ou apenas “doutrinação pelo conforto”?

Moralismo e política

Os adversários do PT teriam muitos argumentos possíveis se quisessem me convencer a não reeleger o presidente Lula. A insistência em levar o debate para o campo da moralidade, no entanto, me leva cada vez mais na direção oposta - a de querer essa oposição o mais longe possível do governo, de preferência sem o "prêmio" de ser derrotada apenas num segundo turno.
O primeiro mandato de Lula à presidência foi frustrante a todos aqueles que esperavam um governo inovador e transformador. Ao contrário, alguns dos maiores beneficiados foram justamente os que não se queria que fossem: o sistema financeiro, o agronegócio dos latifundiários, etc.
Se alguém conseguisse me convencer que qualquer outro candidato dispõe de propostas mais sólidas para a área ambiental (por exemplo, planejar e fazer aplicar o planejamento da ordenação territorial do cerrado e da Amazônia), que trouxesse propostas de fortalecimento e universalização da escola pública em todos os níveis, que tenha propostas claras e realistas de universalização do saneamento básico e de redução do déficit habitacional. Mas tudo parece, aos olhos da oposição tucana-pefelista, uma mera questão de "gestão" - leia-se: redução de gastos, com privatizações generalizadas, demissões, "flexibilização" das leis trabalhistas (melhor seria dar o nome correto: precarização das condições de trabalho). Pior ainda: basta garantir a "moralidade" da administração. Um discurso com cheiro, cor e gosto de TFP que eu me recuso a engolir.
Dizer que esse governo foi "o pior de todos", ou "o mais corrupto de todos os tempos" é, no mínimo, dar crédito excessivo a declarações de políticos tão "nobres" quanto Antônio Carlos Magalhães, ou de veículos da imprensa tão "isentos" quanto a Veja. É impossível julgar um governo com base apenas em afirmações bombásticas de raposas velhas da política ou de uma imprensa inteiramente comprometida. Aliás, não consigo deixar de achar ridículo ouvir ACM & cia. dizerem coisas desse tipo; no mínimo, a declaração requer um complemento: deve ser o mais corrupto que já viram do lado de fora. Basta lembrar a gestão escandalosa que foi a do Malvadeza à frente do Ministério das Comunicações com o Sarney...
Por exemplo, se os noticiosos quisessem prestar serviço à boa informação, no mínimo tratariam de investigar as credenciais de quem afirma ser guardião da moralidade. Sem contar com o auxílio da imprensa, a população em geral parece ter seguido a constatação, muito mais pragmática do que se costuma admitir, de que "se gritar 'pega ladrão' não fica um, meu irmão". Ou seja: pela "moralidade" não se distingue alhos de bugalhos, escarlate de azul, estrela de pássaro. Qual outro critério? Talvez um outro, bastante objetivo: "minha vida melhorou nos últimos quatro anos?". Aí cabe o julgamento de cada um, e não o preconceito de que quem ainda vota no PT está "mal informado", ou "alienado". É a resposta comodista de quem, em momento algum, se deu ao trabalho de verificar na prática, concretamente, o que está acontecendo com a vida das pessoas mais pobres pelo país afora. Goste-se ou não, a população pensa, e não apenas os "formadores de opinião". Cada um reflete à sua maneira sobre o que acontece em sua própria vida, e tira conclusões a partir de seu repertório de conhecimentos e experiências. Não nos cabe desqualificar essas conclusões, ainda que discordemos dos critérios que cada um adota.
De resto, quem lembra de Nelson Rodrigues já fica desconfiado: discurso moralista é estridência para desviar a atenção. Acusa-se a sujeira de fora para não chamar a atenção para a imundície de dentro...