26 de janeiro de 2006

Aforismos, por Luana

Eles dão o que pensar. São simples, como devem ser os bons aforismos, mas botam o dedo em feridas não muito bem cicatrizadas. A seguir, os aforismos e uns breves comentários meus.
Trabalhar o mínimo possível, ganhar o mínimo necessário.
Lembra uma sentença do Marx: "de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidade". Mas só lembra: na verdade, referem-se a situações completamente diferentes. A da Luana diz respeito ao mundo em que vivemos e do Marx ao mundo que ele propõe. Nas duas, a questão delicada da necessidade. Quem define o que é necessário, e como? É necessário trabalhar que nem louco para comprar do bom e do melhor? Ou é mais necessário ter prazer? Ou liberdade, tempo? Em que medida o necessário é apenas o que nos acostumamos ou o que nos parece mais cômodo? Será que o "necessário" não é simplesmente o usual - sendo assim, perfeitamente questionável e mutável? Os limites não são mesmo extremamente maleáveis - para mais ou para menos?
Fora da realidade. E daqui eu olho para ela.
Para uns, estar dentro da realidade é "aceitar as regras do jogo" - questioná-las é estar fora. No entanto, das várias realidades possíveis e em choque, é bem possível que as regras do jogo tenham sido criadas numa com a pretensão de serem válidas nas demais. Acreditar nisso, parece, é também estar "fora da realidade"... então, para vcs, cá estamos.
Virgílio (e Luana, claro)

21 de janeiro de 2006

Reforma agrária

Más notícias... pero la lucha sigue!

O governo Lula fracassou na reforma agrária

Por José Juliano de Carvalho Filho*

Controvérsia sobre números não é novidade quando se trata de reforma agrária. Quem acompanha a política agrária no Brasil deve se lembrar de várias situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula.

No governo Figueiredo, final do período ditatorial, houve controvérsia sobre os números da reforma. Naquela época, final de 1984, foi oficialmente anunciada a emissão do milionésimo documento de titulação de terra. O governo de então apontava este fato como evidência de que estava em curso no país o maior programa de reforma agrária do mundo .

Os jornais publicaram várias análises. Manifestei-me a respeito em artigo publicado pela Folha de S. Paulo à época: O milhão de títulos anunciados refere-se a uma série de documentos, entre os quais se incluem títulos de propriedade definitivos para agricultores sem terra, para posseiros que já ocupavam a terra e títulos com direito a ocupação provisória. Evidentemente, a dita maior reforma agrária do mundo , e dos militares, não ocorreu. Cabe também relembrar o óbvio, ou seja, os movimentos sociais foram perseguidos e reprimidos nesse período negro da nossa história .

Em dezembro de 1995, primeiro ano do governo FHC, o presidente da República afirmava na imprensa ter conseguido cumprir a meta de campanha, assentando mais de 40 mil famílias. O MST questionava os números oficiais, apresentando o número de famílias assentadas em 1995 como inferior a 15 mil. De acordo com o movimento, a diferença se devia ao fato de que FHC, para chegar à meta de 40 mil famílias assentadas naquele ano, somara títulos de regularização fundiária de processos que vinham de governos anteriores e, ainda, de títulos de posseiros. Para o MST, a meta anunciada pelo governo se referia a 40 mil novas famílias que seriam assentadas.

Megalomania tucana

Durante a campanha pela reeleição, sempre a inflar seus supostos feitos, o então candidato FHC afirmava pelo site do Incra: O Brasil está realizando a maior reforma agrária em curso no mundo. Na televisão, na propaganda oficial, ator famoso anunciava: Uma família assentada a cada cinco minutos.

O segundo mandato, marcado pela chamada reforma agrária de mercado de FHC, desmontou conceitos e condições para uma distribuição fundiária efetiva. Duas linhas de atuação norteavam o governo. De um lado, agressividade na implementação da política fundiária, anúncio de medidas e números, sempre, com razão, contestados. De outro, com a conivência da mídia, crítica contínua aos movimentos sociais, sobretudo, o MST com os objetivos de desqualificá-los, enfraquecê-los e criminalizá-los. Essa outra maior reforma agrária em curso no mundo também não ocorreu.

Chegamos ao governo Lula. De início, houve esperança na concretização da aspirada reforma agrária. Foi encomendada uma proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Seu objetivo era desencadear o tão necessário processo de mudança estrutural em favor das populações vulneráveis ao modelo vigente e reverter o processo de concentração fundiária.

A proposta não foi aceita. Em seu lugar, o governo anunciou o II PNRA. Mais tímido em suas metas, significou o abandono da pretensão de instalar um processo de alteração da absurda estrutura agrária brasileira. Mesmo assim, houve colaboração por parte dos movimentos no sentido de acordar com o governo um conjunto de metas que significassem uma política fundiária aceitável.

Nova frustração

Em 22 de dezembro último, depois de anunciar que a meta anual havia sido superada, o governo emite nota em resposta à crítica recebida do MST por carta em outubro, durante a Assembléia Popular, em Brasília. Entre outras afirmativas, diz que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no II PNRA... o melhor desempenho da reforma agrária em toda a nossa história . Rebate ainda as contestações do MST afirmando que o Movimento faz crítica leviana e procura estabelecer com o governo um debate sem nenhuma seriedade .

A análise dos dados disponíveis confirma a crítica ao governo. Das 127,5 mil famílias consideradas assentadas em 2005, apenas 45,7% o foram em áreas de reforma agrária. O restante 54,3% refere-se a assentamentos ou reordenação de assentamentos em terras públicas. Os dados também mostram que grande parte dos assentamentos ocorre em áreas de fronteira agrícola, seguindo o comportamento de governos anteriores. O geógrafo Bernardo Mançano, da USP, com as informações do Banco de Dados de Luta pela Terra , prova que nos três anos do governo Lula apenas 25% das famílias foram assentadas em terras desapropriadas.

A reforma agrária no governo Lula não tem capacidade de alterar a estrutura fundiária. Os únicos resultados positivos se referem ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que é pouco para sustentar a afirmativa de que reforma agrária de qualidade está a ser efetivada. O que ainda diferenciava o governo Lula dos demais era a sua postura em relação aos movimentos sociais. Agora, nem isso. Sua política é inócua ao latifúndio. Não atinge o monopólio da terra.

* José Juliano de Carvalho Filho é professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou na elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária e é dirigente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA).

Fonte: Letra Viva - mailing list do MST

Cisões

No aniversário de uma grande amiga, não pudemos estar com ela porque estava viajando - desestressando, disse ela. Sem querer julgar se estava mesmo estressada ou não, se deveria estar com a gente ou não, seu exemplo fez pensar na vida cindida a que estamos obrigados a ter:
  • Trabalhamos que nem camelo durante a semana à espera do fim de semana redentor; em pequena escala, o dia de trabalho e o happy hour, em maior escala os meses entremeados de períodos (cada vez menores) de férias;
  • A atividade física e a mental - trabalho intelectual e "braçal", ou a "teoria" e a "prática";
  • O homem e a natureza (sejam lá o que forem); Cidade e campo; cultura e biologia;
  • Masculino e feminino; jovens e velhos;
  • Pobres e ricos (ah, aí tem pano pra manga...); esquerda e direita;
  • Sujeito e objeto (enveredando na filosofia tem dicotomias à vontade...);
E outros tantos dualismos com que temos que lidar o tempo todo. O pior é que a cisão chega ao ponto em que não se consegue sequer vislumbrar o que não seja enquadrado nesse molde. Não se ultrapassa a cisão, apenas se finge que a dualidade é superada por uma "síntese". Só que ela é, na verdade, a sujeição de um pólo ao outro:
  • A sujeição da diversão ao trabalho: você TEM que gostar do que faz, o trabalho DEVE ser também uma diversão. Mas você também tem que deixar o celular ligado o tempo todo, para que te encontrem.
  • As faculdades que formam "na prática". O "na prática, a teoria é outra". Por outro lado, se você não está do lado "mental" do trabalho - técnicos, gerentes, etc, seu trabalho é insignificante e você pode nem ser notado;
  • A "integração do homem na natureza" virou biocentrismo. A da cidade ao campo virou condomínios fechados pra classe média/alta que tem medo da "violência". A cultura virou mera manifestação dos genes...
  • As mulheres competindo com os homens, adotando o padrão masculino (estereotipado) de ação. Os "adultos" cada vez mais tentando afastar a velhice e se manter "jovens" por mais tempo;
  • O modelo neoliberal "serve" pra todos. Mas sobra uma assistenciazinha para "incluir os excluídos", mantendo-os, evidentemente, pobres.
  • Não precisamos entrar nessa seara, não?
Escapar disso... putz! Eu sempre lembro do Raymond Williams - só podemos escapar à divisão nos recusando a ser divididos. Isso é uma decisão pessoal, e logo em seguida uma ação social. Assim seja! Esse blog tem um pouco a ver com isso tudo...
E à minha amiga, feliz aniversário, bom descanso, volte com tudo!

20 de janeiro de 2006

Despejo na Favela (Adoniran Barbosa)

Quando o oficial da polícia chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo,
Entregou pra seu Narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
Assinada, seu doutor
Assim dizia a petição
"Dentro de dez dias
Quero a favela vazia
E os barracos todos no chão"
- É uma ordem superior

o-o-o-o-ô, meu senhor,
É uma ordem superior

- Não tem nada não, seu doutor
Amanhã mesmo
Vou deixar meu barracão
Não tem nada não
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator

Pra mim não tem problema,
Em qualquer canto me arrumo,
De qualquer jeito me ajeito,
Depois, o que eu tenho é tão pouco,
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás.
Mas e essa gente aí, hein? Como é que faz?

o-o-o-o-ô, meu senhor,
Essa gente aí, como é que faz?

Inauguro este meu blog dedicando a música que lhe dá nome ao nosso ignóbil prefeito Zé Ferra, e o reacionário subprefeito da Sé, Déinha Mata-raso...