11 de março de 2013

Violência no trânsito: muito mais do que um problema de embriaguez

A recente notícia de um atropelamento de ciclista na avenida Paulista, que resultou na amputação do braço da vítima tem gerado uma onda de protestos e de manifestações acaloradas. Quis aproveitar o "evento" para discutir uma questão que tem sido tratada mais com paixão do que com razão.
Há uma campanha sistemática em defesa da noção de "tolerância zero" com relação ao consumo de álcool e direção. Não quero aqui fazer defesa dos "bêbados", mas tornar a discussão um pouco mais complexa. Dizem algumas estatísticas que uma porcentagem grande dos acidentes de trânsito envolvem motoristas embriagados. Internacionalmente, vários exemplos de campanhas contra a direção em situação de embriaguez parecem ter resultado em grandes reduções no número de acidentes, o que justificaria então um enrijecimento do controle e da punição aos motoristas que demonstrem estar muito alcoolizados para dirigir. Podemos facilmente concordar com esse argumento, mas isso encerra o problema? Na minha opinião, não.
Eu entendo que o problema é mais complexo, e envolvem variáveis "externas", como é a ingestão de bebida alcoólica, e "internas", como o que Luana Soncini denominou "uma cultura de desprezo - em variados graus - pela vida de pessoas que não sejam seus pares".
Se ficássemos apenas nas causas "externas", já teríamos uma lista de substâncias que, assim como o álcool, alteram e prejudicam a percepção e os reflexos: por exemplo, os cada vez mais comuns (infelizmente) remédios psiquiátricos (antidepressivos ou ansiolíticos), anti-histamínicos, por exemplo. Drogas perfeitamente legais, que também limitariam o uso do automóvel e que não são controladas neste aspecto. Sim, o consumo de bebida alcoólica é mais generalizado, mas há um problema de estatística a resolver: dos casos de acidentes não relacionados a bebidas alcoólicas, quantos seriam relacionados a outras substâncias? Das relacionadas, idem.
Poderíamos incluir ainda como causa "externa" os transtornos da população paulistana atual? Uma pesquisa recente mostra que 3 a cada 10 paulistanos sofrem algum tipo de transtorno mental (ansiedade, depressão ou outras). Muito frequentemente se atribui ao trânsito uma das causas desses problemas, mas cabe perguntar também quanto desses transtornos não repercutem também no nosso "caos" diário? E o que dizer da estafa por excesso de trabalho (ou de preocupação com ele)? Quantos profissionais hoje em dia circulam diariamente entre visitas, reuniões, prestação de serviços, etc? Cansaço e ansiedade, sabe-se, podem facilmente aumentar a distração, a dispersão, a desatenção.
Por fim, cabe ainda perguntar em que medida não se pode relacionar a violência dos acidentes ao fato de que temos carros cada vez mais velozes, com maior capacidade de aceleração, etc. Ou seja: cada vez mais, os carros exigem um piloto no limite de seus reflexos. Qualquer déficit mínimo na atenção ou na capacidade de reação é suficiente para provocar um acidente fatal, por exemplo.
Somente esses poucos exemplos deveriam bastar para mostrar que o problema dos acidentes e violência no trânsito deveriam ser avaliados de uma forma muito mais requintada e complexa. E nem cheguei a tratar das causas "internas", para mim as realmente decisivas (um motorista desrespeitoso, violento ou imprudente não precisa estar - e muitas vezes não está - embriagado para causar acidentes). Mas essa avaliação mais sutil levaria, necessariamente, a repensar a sociedade atual de uma forma que, provavelmente, a maioria não estaria disposta a fazer. Especialmente aqueles que se beneficiam do estado de coisas atual ou que, por alguma razão, não querem se dar ao trabalho de uma reflexão mais "radical".

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