9 de outubro de 2013

Em meio ao nevoeiro

Sempre me questionei sobre como agiria em momentos de “crise” política: se tivesse vivido nos anos 1960, que posicionamento eu teria diante do golpe militar? Será que eu me engajaria na luta armada, ingressaria na contracultura, faria uma oposição cuidadosa, ou simplesmente recuaria de medo? Essas questões reaparecem agora e não mais como uma especulação “histórica”, mas como um chamado. Isto porque, tudo indica, vivemos atualmente outro desses momentos.
Um dos desafios de momentos como esse é a dificuldade de olhar “o todo”, de se ter uma compreensão “global” do que está ocorrendo e o que está em jogo. Antes de abril de 1964, parte significativa da esquerda brasileira não apostava muitas fichas na iminência de um golpe de Estado. Sempre há aqueles que se afirmam capazes desta compreensão, mas eu não consigo confiar nisso. Para mim, trata-se de pensar em um modo de agir em meio a um “nevoeiro”. Nestas horas, já dizia Paulinho da Viola, parece ser prudente fazer como o velho marinheiro e levar o barco devagar.
Outro desafio é a polarização: num cenário dual, ou você é “claro” ou “escuro”. Ou é “direita” ou é “esquerda”. Ou é a favor ou contra a democracia. Parece-me incrível que velhos termos dicotômicos tenham reaparecido, especialmente as denominações “comunista” e “fascista”, e todas as suas derivações (“chavista”, “neoliberal”, “petralha”, “tucanalha”, etc.). O risco é de generalizações descabidas, de simplificações. Com minha veia de pesquisador, não consigo aceitar esquematismos e “preto & branco”. Interessam-me os matizes, os cinzas, e principalmente aquilo que “não se encaixa” nas interpretações fáceis. Isto, para mim, é o humano em essência. Se fosse possível imaginar uma sociedade perfeitamente equilibrada e igualitária, a contradição binária seria útil como um movimento dialético (tese x antítese > síntese), mas não é o caso: falamos de uma realidade em que o grau de poder é profundamente desigual, a possibilidade de uso da violência é assimétrica, e uma aposta na polarização pode nem sempre (mas não digo “nunca”) ser a escolha mais acertada.
Em momentos de crise como o nosso, a violência aparece ou é posta em evidência, e parece que somos impelidos a dizer qual violência é ou não aceitável. De um lado, tendo a achar sempre que a solução violenta não é a melhor, em nenhuma circunstância. Mas como responder a uma força repressora / opressora que julgamos injusta? Se não for possível sequer cogitar o uso da força como resposta, que alternativas restam? Resignação ou submissão, até onde posso ver. Há outra? Gostaria de conhecer sugestões. Uma expressão violenta é, necessariamente ilegítima? O que denominamos “violência”? Em que medida ela pode ser tolerada? Violência contra seres humanos e contra a vida, parece ser um consenso, é ilegítimo. Será que a ideia de violência se aplica também a “coisas” (a bens e propriedades)? E se for, quanto de violência seria aceito contra essas coisas – bens privados, bens públicos...
Em momentos como os atuais, o chamado à ação parece sempre urgente e coercitivo, e parece não haver tempo de parar para refletir. Mas talvez seja o mais importante: evidenciar as dúvidas, as lacunas. Elas é que abrem as portas para possíveis diálogos.
Este é um texto de mais dúvidas do que proposições. E quero encerrar mesmo desta forma, colocando ainda outra questão. Esse clima de crise parece trazer para o primeiro plano o impulso “destrutivo” humano – a violência, o ódio, a raiva. Onde fica o humor, o riso, a alegria? Será que não estamos disputando, fundamentalmente, uma noção de felicidade?

23 de setembro de 2013

Eles também cantaram um dia: 10 canções, 10 revoluções - Baderna Midiática

Neste post eu compartilho um post maravilhoso do coletivo Baderna Midiática. Uma seleção de 10 músicas que são relacionadas intimamente a revoluções, protestos populares e manifestações de massa pela história - começa com a Turquia contemporânea e recua até o movimento ludista do princípio do século XIX!
Além da seleção espetacular (algumas canções, sem exagero, são de chorar de emoção), uma cuidadosa pesquisa histórica que proporciona descobertas incríveis - e algumas surpresas, como a canção "La Cucaracha". Sim, esta mesmo que você está pensando: ela é um hino da revolução zapatista!
Reproduzo, a seguir, o texto de apresentação do post. Em seguida, o link para que você mesmo possa se deliciar e emocionar com esse repertório.
Desde junho dezenas de músicas foram lembradas ou criadas por inspiração da experiência viva da tomada das ruas em todo o país. O Hino à Rua, feito pelo coletivo Baderna Midiática, é apenas uma dentre outras canções, como esta esta. É claro que também surgiram produções puramente mercadológicas, sem qualquer relação com o movimento que tomou as ruas, ou ainda aquelas que, bancadas pela grande mídia, procuram arrancar das manifestações seu espírito contestador. Mas existe hoje, como existiu em todos os momentos como este, a resistência do movimento popular contra os que querem impor suas bandeiras, seus símbolos e suas canções.
O que importa lembrar é que desde que há revoluções e insurreições populares as canções estão presentes a animar a luta. Uma mostra disso está na lista abaixo, na qual incluímos 10 músicas acompanhadas por uma breve apresentação e pela letra traduzida para o português. A seleção inclui apenas canções que são inseparáveis de momentos revolucionários ou insurrecionais, seja porque foram feitas em meio às batalhas, seja porque inspiraram os que lutaram. Começamos nosso percurso na Insurreição de Istambul, ocorrida pouco antes da tomada das ruas no Brasil, e o concluímos mais de 200 anos atrás. A lista poderia ser muito maior, pois ao que parece não há revolução que não se expresse musicalmente.
O Blog Baderna Midiática e este post podem ser acessados aqui.

5 de setembro de 2013

A força do que tem de ser

Orientando um trabalho de graduação, tenho me dedicado a pensar algo que, na realidade, sempre foi uma questão inspiradora e desafiadora para mim, a ideia de "utopia". Quero partilhar algumas dessas ideias, mas para isso vou recorrer a uma "trilha sonora". Este texto é também, em grande parte, um tributo a esta que tem sido a minha trilha nos últimos meses.
Eu começo dizendo que entendo existirem dois tipos fundamentais de utopia, que vou chamar de o "modelo" e o "horizonte". O modelo é a utopia completa, formal, geralmente estática. O horizonte é o que, nas palavras de Eduardo Galeano, nos mantém caminhando. O modelo é uma representação acabada, o horizonte é permanentemente inconcluso. O modelo é visto do alto e de fora, o horizonte exige o percurso. Os dois são frutos da vontade e da imaginação humana, mas ao modelo é possível conceber a utopia de forma completamente intelectualizada; o horizonte é a utopia corporificada. Daí que a utopia-modelo, incapaz e inábil de trato com o diverso, tende a se aproximar do autoritarismo, enquanto a utopia-horizonte, forjada no movimento, chama ao contato e à partilha. Em suma: interessa-me a utopia-horizonte, e é dela que vou falar daqui para a frente.
Para isso, "convoco" a minha trilha sonora: o grupo português Deolinda. O poder da utopia-horizonte está presente em grande parte da obra deste grupo que tem sido minha paixão musical recente, a começar pela canção que inspira o título deste post:


A requintada urdidura das cordas tangidas pelos irmãos Luís José e Pedro da Silva Martins, sustentada pelo pulso de José Pedro Leitão no contrabaixo, forma a base musical sobre a qual passeia Ana Bacalhau, voz e vida das canções de Pedro Martins (a cantora diz que, na adolescência, sonhava em ser Janis Joplin. Na minha opinião, está mais próxima de outra musa dos sixties, Grace Slick, ao transitar com assombrosa desenvoltura entre a delicadeza tocante e o inconformismo contundente, a graça e a força). As canções de Deolinda realizam uma proeza que poucos conseguem: amplificar a vivência pessoal e o tom confessional em uma experiência coletiva, social - e, evitando o tom panfletário, fazer o caminho de volta: dar a essa experiência coletiva uma feição humana, concreta (o sambista Adoniran Barbosa, que inspirou o título deste blog, é outro exemplar desta rara espécie). Assim, por exemplo, a xenofobia, o racismo ou o ódio de classes são sintetizados no episódio da devolução de uma carteira perdida, em "Medo de mim". 
A vontade, a tentativa (e por vezes o fracasso) em sair de um estado de conformismo são um tema recorrente na obra do grupo, desde o "Movimento Perpétuo Associativo", do seu disco inaugural.


O tema reaparece no disco mais recente, Mundo pequenino, que já foi chamado de "manifesto anti-inércia", com justiça. Em diversos matizes, o conformismo é compreendido mas rechaçado ("Há-de passar", "Gente Torta"). No pequeno conflito "conjugal" de "Pois foi", articulam-se as indignações com um relacionamento morno (ou morto) e com o país. Qual poderia ser a matéria-prima da utopia, sobretudo da utopia-horizonte, se não o inconformismo?
Mas não se trata de apenas diagnosticar um estado de letargia, porque a utopia é também um chamado à ação e ao envolvimento, como nos versos de "Concordância": "somos sujeitos, queremos verbos, bons complementos diretos, queremos frases afirmativas", na melhor tradição das canções de chamamento. 
E é aqui que o horizonte se distancia do modelo, porque se demanda o envolvimento direto, pessoal e corporal, que é certamente mais trabalhoso, penoso, cansativo - porém mais honesto e democrático.
Pois essa dimensão da vida também é retratada pelo grupo: "Doidos" é uma ode ao corpo. "Ele diz que o corpo não é uma culpa / É sim uma festa que se quer na lua / (...) E em cada corpo cabe a eternidade". Porém, o que em mãos menos habilidosas poderia se tornar um mero exercício de sensualidade egocêntrica, aqui preserva a perspectiva que entende o homem como animal político: "Ele diz que o corpo não se privatiza", "Ele diz que o corpo não é trabalho / Não é um produto, nem é um fardo". Entre tantas grandes interpretações, Ana brilha nesta canção, ao brincar com a melodia e texto, rindo "é doido!" e sussurrando "doida". Pois a utopia-horizonte não é sisuda e não pode ser mal-humorada. "É doida"! É alegre (como diria Oswald de Andrade, a alegria é a prova dos nove...).
Resta falar da confiança expressa por "Seja agora". E aqui está, talvez, a beleza fundamental da utopia-horizonte: ela não se ressente da não realização completa, da sua própria imperfeição. O que nos move é uma confiança essencial, mais do que uma simples esperança. "Sei que vai ser porque tem de ser" é diferente de apenas dizer que "o dia virá": "se é pra acontecer, pois que seja agora". Sem precisar dizer, a canção aponta para um universo muito mais amplo, e assim mesmo continua sendo uma singela canção de amor: "Nós havemos de nos ver os dois / Ver no que isto dá / Ficar um pouco mais a conversar / Ter a eternidade para nós /Quem sabe jantar / Se tu quiseres, pode ser hoje". O que é melhor, e mais reconfortante (e isso pode tirar mais uns tantos de nós da letargia) é que nenhuma das possibilidades da canção exclui a outra. A própria mensagem talvez fosse menos compreensível se não fosse a melodia tão envolvente, tão feliz (arrisco dizer que é uma das canções mais felizes que ouvi nos últimos anos. E, para quem é um beatlemaníaco confesso, este não é um elogio banal!).
A uma geração que cresceu habituada a ouvir e aceitar que a mudança era impossível, que desde cedo foi ensinada que aceitar e se adaptar é o caminho de menor sofrimento, e que via essa impossibilidade expressa numa arte niilista (como a música dos anos 1990) e que parecia ver como única saída uma catástrofe apocalíptica (quantos filmes deste tipo foram produzidos na virada do século?), Deolinda mostra um outro caminho, que se vale do corpo, da alegria, que gera movimento, que brinca e que toma as ruas ("Sai de casa e vem comigo para a rua / vem, q'essa vida que tens / por mais vidas que tu ganhes / é a tua que mais perdes se não vens"):

A utopia-horizonte que se apresenta neste princípio de século XXI tem, antes de tudo, o grande mérito de enterrar de vez qualquer reivindicação imobilista de "fim da história" ou o que o valha. Se terá "sucesso"? Já teve, em nos fazer andar de novo - ou melhor, de nos manter caminhando. O dia que virá depois certamente não será o último, e talvez nem seja o melhor, mas será o seguinte.
***
No final de julho, o grupo se apresentou aqui em São Paulo, e fui assisti-los na última noite (28 de julho - o dia das imagens mostradas no vídeo acima), num momento pessoalmente difícil. A experiência individual-coletiva que vivi naquela noite foi de um arrebatamento que não serei capaz de pôr em palavras agora. Mas posso dizer que seus desdobramentos não se encerram neste texto. E eu hei de agradecer pessoalmente a Deolinda por me chamar para a rua, de corpo inteiro, com alegria. E sei que vai ser.

6 de agosto de 2013

Uma homenagem a Adoniran

Seria muito injusto da minha parte não prestar uma homenagem hoje, dia em que se celebram 103 anos de nascimento do sambista Adoniran Barbosa, ao inspirador do próprio nome deste blog. Gostaria de escrever muito mais, mas por ora vou apenas transcrever um trecho da minha tese (pra quem tiver interesse, pode acessar o texto completo aqui), em que falo de um aspecto de sua vida, nem sempre muito ressaltado.
A partir de meados dos anos 1930, Rubinato passa a buscar com afinco a realização do desejo de trabalhar como artista de rádio, intento que alcançou na década seguinte. O que não deixava de ser uma escolha audaciosa, considerando que “artista”, na década de 1930, era sinônimo de vagabundo (...). Cantor de rádio, então, nem se falava. Pouquíssimos eram profissionais (...), sobrando para a maioria uma espécie de mendicância pelas estações atrás de oportunidades” (CAMPOS JR., 2004: 24). Ainda assim, uma escolha que denotava um acurado senso de oportunidade, visto que as numerosas novas estações de rádio que surgiam então na cidade estavam “abrindo um formidável campo de trabalho para cantores, comediantes, speakers, músicos e radioatores” (idem, p. 31). 
Para tanto, mobilizou todos os recursos de que dispunha: como o trabalho de vendedor lhe possibilitava andar pela cidade, não tardou para que identificasse onde encontrar outros músicos, atores e demais artistas, apresentadores e técnicos, e se fizesse conhecer por eles. A construção dessa “rede” de contatos propiciou-lhe algumas oportunidades de testes em emissoras, parcerias em composições e participação em concursos de carnaval (portas começaram a se abrir quando sua composição Dona Boa – parceria com José Aimberê - ganhou o concurso de marchinhas para o carnaval de 1935). 
O fato é que, na base de tenaz insistência, o jovem Rubinato acabou sendo aceito na rádio Record no início dos anos 1940. Sua primeira fonte de renda era um cachê de 15 mil-réis por uma participação semanal de 15 minutos na programação da emissora. Com isso, teve a possibilidade de ampliar seus contatos, agora também com pessoas do meio fonográfico, além de roteiristas e produtores de programas radiofônicos, entre outros.
Nos insistentes e contínuos esforços de João Rubinato para se tornar Adoniran Barbosa, fica minha homenagem a quem, melhor do que ninguém, cantou os trabalhadores de São Paulo no século XX.



14 de junho de 2013

São Paulo, 13 de junho de 2013: relatos

Em casa, em estado de choque e trêmula, após quase ter sido presa por uma polícia despreparada, covarde e violenta. Acompanhei a manifestação desde o início, na frente do Teatro Muncipal. Saímos de lá tranquilamente, muitas famílias, pais com crianças pequenas nos ombros... Muita tranquilidade e gritos de "sem violência". Tudo calmo, a passos lentos, sem correria. Passamos por boa parte do centro, entre os carros (grande parte dos motoristas com os vidros abertos e apoiando a manifestação), motoristas de ônibus e passageiros nos saudando com palavras de apoio. Até chegarmos à Consolação e sermos recebidos com balas de borracha, bombas de efeito moral (gás, pimenta, não sei que merda era aquela), só sei que comecei a passar mal e corri para uma rampa de garagem (da Justiça Federal, ironicamente) e desisti de seguir. Falei aos meus amigos que iria ficar ali pelo fato de não conseguir mais enxergar e que esperaria a polícia passar. Todos correram e a polícia ficou e ATACOU todas as pessoas que como eu, pararam por não ter mais forças pra correr. Perguntei ao policial o que eu deveria fazer e ele disse: ou corre com a multidão ou fica e vai presa, porque nós vamos prender quem ficar aqui. Decidi ficar por não ter mais força mesmo e também por não acreditar que aquilo fosse acontecer. Todos que estavam ali, estavam passando mal, esgotados e sem forças para correr. Ao vermos os policiais descerem a rampa em nossa direção com armas em punho e com gritos de "cala a boa, caralho"... (estávamos todos quietos e calados), eu entendi que iríamos presos. Ou que iríamos apanhar muito. Não apanahmaos porque tinha gente da imprensa conosco. Mas ficamos de cara pra parede, com mãos pra cima e sem abrir a boca. O policial continuou apontando armas para todos, revistou as nossas bolsas e deu ordem de seguir em fila para o ônibus. Assim os primeiros fizeram...Não sei com que coragem, saí da fila e pedi pelo amor de deus (humilhante) para não ser presa. Implorei, me humilhei e por sorte fui tirada da fila e jogada junto aos jornalistas. Nunca passei por tamanha humilhação em toda a minha vida. Me descontrolei ao ver todos que estavam comigo, entrando no ônibus, escutei policiais covardes falando ao celular com colegas, perguntando sobre o que fazer e dando gargalhadas e repetindo a frase: "é pra levar praí e aí vocês descem o cacete, né? hahahaha, estou enviando o primeiro ônibus, recebe eles aí". Polícia despreparada e covarde. Manifestantes pacíficos e corajosos! Infelizmente eu não terei mais coragem de ir na próxima. Meu total apoio, respeito e admiração a todos que lá estiveram e minha eterna gratidão aos jornalistas que me acolheram e que me levaram até o metrô de volta pra casa. Sem eles, eu teria me descontrolado e teria um ataque de pânico frente à tamanha brutalidade. Não fotografei nada por não ter muita prática com foto de celular, mas não poderia deixar de relatar aqui o que passei. Infelizmente, eu não tenho mais coragem e me sinto um lixo por ter salvado a minha pele enquanto os outros que estavam comigo estarem presos desde então.
J. C., cidadã paulistana

Fui testemunha hoje do caráter pacífico da passeata. Cheguei na Praça da República 10 passos à frente do movimento, que vinha cantando e tocando tambores. Medo dava era do aparato policial "preparado" para a ocasião: furgões e mais furgões da tropa de choque aguardando com homens paramentados de cima a baixo, carros e mais carros, além de motos da PM, um sem número de policiais de prontidão e disseram que houve até cavalaria (não é, B. V?). A M. P. disse que gritou "Ditadura!" e o policial respondeu "Cala a boca que você pode ser presa!".... Oi?? O T. L. disse que, na terça-feira, se protegeu numa estação de metrô e jogaram uma bomba de gás lacrimogênio DENTRO da estação!! E agora vejo relatos e mais relatos de gente que estava lá e sofreu/viu a truculência, como a T. M. R. Atenção! NÃO estou dizendo que não houve vandalismo por parte de alguns do movimento. Só acho que precisamos realmente olhar com mais cuidado a unilateralidade da mídia e, consequentemente, da opinião da maioria da população, sobre o assunto.
M. M., cidadã paulistana

Nenhum fotógrafo, nem um dos milhares de cinegrafistas amadores, e muito menos emissoras de televisão que flagraram o momento, conseguirão reproduzir com tamanha maestria a tensão devastadora que cobriu a Rua da Consolação hoje, cerca de 20h30 da noite, da forma como EU vi. No segundo andar do estabelecimento em que estudo, como assistindo de camarote e de um ângulo excepcional – exatamente no meio do fogo cruzado -, presenciei aquela cena triste: polícia e manifestantes, após muita correria, prostraram-se frente a frente, encarando-se em absoluto silêncio, como o confronto final de um filme de aventura, quando os estudantes revoltosos, a fim de transmitir o que queriam desde o começo, levantaram os braços e se sentaram no meio da avenida, em um nobre pedido de paz. Alguns segundos depois, seus antagonistas, de cima de seus cavalos e de trás de seus escudos, responderam-lhes impiedosamente com tiros e bombas.
V. T., cidadão paulistano

Acabo de retornar dos protestos na região central de São Paulo. Fui somente como observador, com dois objetivos: saber quem são os ativistas e tentar descobrir como começam os atos de violência. O que vi e ouvi:
1. Milhares de jovens se concentravam pacificamente na praça Roosevelt quando, sem nenhum motivo aparente, a polícia iniciou um intenso bombardeio. Bombas de gás lacrimogênio explodiam sem parar, produzindo estrondos muito altos e assustadores. Nunca presenciei nada parecido no centro da cidade. Os ativistas, pelo menos naquele momento, não reagiram. Muitos apenas gritavam: "Sem violência, sem violência!" Mesmo assim, a artilharia prosseguiu. O ar se tornou irrespirável e os manifestantes começaram a se dispersar.
2. Corri em direção à rua Rego Freitas, quando recebi máscaras cirúrgicas, distribuídas por moças e rapazes que se encontravam diante do coletivo Matilha Cultural. Eles nos convidavam a entrar. Ali, as máscaras eram encharcadas com vinagre, substância que corta o efeito do gás lacrimogênio.
3. Quando retornei à rua, havia sacos de lixos pegando fogo e algumas caçambas tombadas _tudo no meio da via, para impedir o avanço da tropa de choque. Rumei em direção à rua da Consolação. Mal cheguei ali, na altura do Mackenzie, avistei uma quantidade grande de policiais motorizados, que ocupava toda a pista sentido bairro. Naquele ponto, um ônibus pichado fora abandonado, mas já não ocorria nenhuma manifestação. Dispersos, os ativistas se misturavam à população que não se engajara no movimento. Caminhei alguns metros pela calçada quando me deparei com um cordão policial bastante hermético, que bloqueava a rua. Mais adiante, bombas explodiam, sem que eu pudesse ver o que estava acontecendo. O ar começou a ficar novamente irrespirável. Um dos soldados se dirigiu a nós, que simplesmente caminhávamos, apontou uma arma com balas de borracha para o chão e gritou: "Dispersar, dispersar!" Começou a atirar. Todo mundo correu, lógico.
4. Sem ter como prosseguir pela Consolação, decidi pegar o metrô na estação Santa Cecília. Andei até lá. Ao longo do caminho, muitos jovens conversavam em pequenos grupos, sem nenhum policial por perto. Quando entrei na estação, dei de cara com uma fila imensa. Eram centenas e centenas de passageiros que tentavam cruzar as catracas. Como as ruas das redondezas estavam bloqueadas, só lhes restava pegar o metrô. Fiz um cálculo rápido e concluí que levaria muito tempo para conseguir embarcar. Resolvi andar até a avenida Pacaembu, onde acabei tomando um táxi.
5. Quanto aos manifestantes: os que vi são, na maioria, bem jovens _talvez tenham entre 18 e 25 anos. Aparentavam pertencer à classe média e morar longe das periferias (ATENÇÃO: não há, nessa observação, nenhum juízo de valor). Chamou-me a atenção especialmente a coragem e a convicção com que encaravam a reação da polícia. Algo de muito forte e genuíno parece movê-los, para além da reivindicação em torno do transporte público. Ainda não compreendi exatamente o que é.
A. A., cidadão paulistano

Cheguei ao ato por volta das 18:30, estávamos na Ipiranga e lá permanecemos parados um tempo, para subir a Consolação, quando começamos a subir a avenida estava tudo bem, um movimento totalmente pacífico. Até que o Choque chegou, da alça da Amaral Gurgel, e ao ouvir o grupo entoar "sem violência" já tascou umas balas de borracha. Eu vi, foi do meu lado! Logo depois nos (não sei quantos milhares) cercaram e prensaram na Roosevelt, jogando bomba de gás lacrimogênio por todos os lados, foi muito tenso, porque era muita gente tentando se livrar das bombas, correndo. Essa foi a primeira dispersão, subimos (uma parte) a Augusta, mas por onde quer que fôssemos, aparecia o choque, as bombas e a correria, depois também veio a cavalaria. Dada hora eu já nem queria mais achar o ato, só queria arrumar um jeito de sair da ratoeira que a PM foi armando na cidade, com uma truculência totalmente gratuita, injustificável e inacreditável.
L. T, cidadã paulistana

Não tenho palavras pra falar as coisas que passei hoje, mas por enquanto, fiquem só com os momentos finais: nós na Paulista, choque fechando a Augusta/Paulista, choque fechando Augusta/Consolação, nós corremos pra entrada do metrô e não nos deixaram entrar. Estávamos lá pedindo pra abrirem a estação quando passam na calçada 10 motos em alta velocidade com policiais dando cacetada na gente gritando HOJE NÃO TEM METRÔ.
Eu queria ter quebrado o metrô pra entrar e vir pra casa. Eles não estavam deixando as pessoas irem pra casa.
Isso foi só o final.
Quem tiver coragem de chamar os manifestantes de vândalos a partir de hoje merece só meu desprezo. Fiquei na manifestação das 17h as 20h30 e não vi nenhum ato de vandalismo. Vi policial tacando bomba de gás e bala de borracha em QUALQUER AGLOMERAÇÃO. Uma senhora levou uma bomba na cara porque estava parada numa esquina da Consolação.
E os manifestantes diziam: não corram. Mantenham a calma. Eles querem nos desesperar, vamos ficar juntos. Todo mundo junto. Mas não dava: quando você vê as pessoas correndo atrás de você gritando choque e as bombas estourando a alguns metros não há o que fazer a não ser correr.
Não sei se as pessoas têm ideia do que aconteceu hoje em SP.
C. L., cidadã paulistana

Hoje foi um dia histórico, um 13 de junho de 2013 para marcar um ponto de virada! As maiores manifestações populares em São Paulo e em todo o país, o despertar de uma nova geração para as grandes campanhas nacionais de lutas sociais!
Começou um novo movimento popular, fora do controle do PT, CUT, UNE e todos os traidores aliados com o PSDB. A dupla Haddad/Alckmin declarou guerra contra o povo! Agrediu sob o olhar do país inteiro uma marcha gigantesca e pacífica sem nenhum motivo!
O movimento, é óbvio que vai crescer!
Agora é indignação, o que faltava para o nosso país entrar na onda das primaveras de lutas dos povos do mundo.
Uma campanha de luta popular que vai crescer.
O próximo ato vai ser maior!
Quando juntarmos centenas de milhares nos protestos os governantes vão se dar conta que erraram, subestimaram o povo, desafiaram a juventude e agrediram a cidadania!
H. C., cidadão paulistano

Agora são 21h e acabo de receber a ligação do M. S. que informa estar entre milhares de pessoas encurraladas pela tropa de choque e PM na Avenida Paulista que foi totalmente bloqueada. M. informa que foram bloqueadas todas saídas e acessos da Paulista e a força militar não deixa ir embora nem manifestantes, nem pessoas que estão contra a manifestação, nem trabalhadores que nada tem a ver com o evento. Portanto, M. está desesperado, pedindo ajuda de quem puder. Pediu para que divulgasse aqui no mural na esperança de socorro. Segundo ele a polícia está atirando indiscriminadamente com balas de borracha na direção de uma multidão encurralada. Informou também que já vomitou várias vezes e que não tem como fugir.
C. C.,  cidadã paulistana

Clima de ditadura: Fui detido na Praça do Patriarca hoje a caminho do ato no Teatro Municipal. Eu e o camarada Anderson estávamos caminhando pelo calçadão da Rua Direita, carregando faixas enroladas. Nos detiveram, fomos levados atrás de umas viaturas, ali nos revistaram. Como não tínhamos vinagre conosco seríamos soltos, mas um oficial que viu as faixas nos mandou para o paredão onde estavam detidos os que foram pegos com vinagre. Ficamos quase meia hora com as mãos na cabeça, de frente pra parede sem poder olhar pra trás, recebendo ameaças de que apanharíamos. Interrogaram se tínhamos passagem pela polícia, pegaram nossos documentos. Enquanto isso todos que foram pegos com vinagre foram sendo colocados nos camburões e levados à delegacia. Um perguntou: "Mas por que estou sendo preso?" e a resposta: "Cala a boca senão apanha! Vai se explicar pro delegado!" Nós fomos liberados por não termos vinagre! Prenderam dezenas por "porte de vinagre"?! Tomaram nossas faixas. Assim começava o ato contra o aumento das tarifas em SP...
C. D., cidadão paulistano

Alguém sabe como cortar os efeitos do gás lacrimogêneo, uma vez inalado? Estou com ardor nos olhos, na garganta, até na língua. E com tontura. Descia a Consolação a pé, pois precisava ir ao Sesc para conferir uma estreia teatral (meu trabalho). Não tenho carro; fui de metrô até ali. Havia visto um número grande de PMs na esquina com a Paulista, e os ônibus e carros estavam parados no sentido centro. Continuei caminhando; muitos outros pedestres iam e vinham também. Na altura da Fernando de Albuquerque, os manifestantes começaram a chegar. Gritavam "sem violência, sem violência". Um ou outro carro tentava furar a manifestação, mas tudo ia bem. Parei na esquina, liguei para uma amiga que me acompanharia e avisei-a que eu provavelmente não chegaria. Teria que voltar para casa. O helicóptero sobrevoava exatamente aquele local. Tudo parecia seguir tranquilamente: manifestantes calmos, motoristas conformados. Subitamente, algo explode. Os jovens começaram a correr e a voltar para a Fernando Albuquerque. Eu ainda falava ao telefone. Algo explode ao meu lado. Gás branco. Não enxergo direito, começo a tossir. Todos correndo. Desespero. Outro explosão. Gritos. Instinto de sobrevivência: saí correndo também. Um rapaz chutava as placas, outro espalhava o lixo – sob severas reprimendas dos demais. "Cara, não faz isso, você está desmoralizando a gente!" Eram os mesmos dois fazendo baderna por onde passavam. Um terceiro quebrou o vidro de uma padaria bem do meu lado. Senti algo molhado caindo em mim, não sei o que era. Ele carregava uma garrafa; foi contido por outros dois rapazes. "Para com isso, não tem nada a ver!" O baderneiro começou a berrar: "Não me toca, não me toca, quer encarar?" Nova explosão. Mais gás. Alguém quebra o vidro do carro lá na frente, toca a fogo em algo. Corremos. Eu não parava de tossir. Encontrei um canto qualquer para respirar. Uma moça me viu e ofereceu água. A duras penas, correndo daqui e dali, olhos ardendo e tosse, cheguei de volta ao metrô. Do que vi: (1) A polícia reagiu com truculência a nada. Posso atestar: os manifestantes estavam calmos. (2) Há, sim, um grupo de baderneiros que se aproveita da situação. São poucos e contudentes, mas não representam o movimento. (3) Gás lacrimogêneo é foda. (4) Essa manifestação pode ter começado contra o aumento de R$ 0,20, mas hoje se transformou numa manifestação contra a supressão de nosso direito à cidade. (5) Eu me senti, sim, atacada pela polícia. É meu direito, sim, andar por uma via pública. Eu sinto, sim, os efeitos dos R$ 0,20 a mais porque só uso transporte público. E essa cidade é tão minha quanto de vocês. Fazer manifestação é direito nosso. Obrigar-me a inalar gás lacrimogêneo, definitivamente, pode me dar náuseas e dor de garganta. Mas não tira nem tirará minha voz ou meu direito de protestar. Senhor Geraldo Alckmin, o senhor não me representa. Polícia, a senhora não me "protege".
M. F., cidadã paulistana

Meu filho está na manifestação. Preocupado, acompanho tudo pela TV. O ato era absolutamente pacífico até às 19 horas. Jovens protestavam de forma civilizada. Alguns andavam de skate. A polícia escoltou os manifestantes do Teatro Municipal até o início da Consolação. “Paz entre a Polícia e o Povo", podia ser lido num cartaz. O apresentador da TV elogiada o ato. Mas, se a manifestação permanecesse pacífica, o que o governador iria dizer aos jornais? Nada. O MPL teria dado uma lição de democracia. De repente, de forma absolutamente inesperada e inacreditável, apareceu a tropa de choque e a cavalaria. E investiram contra estudantes e jornalistas com bombas e tiros por todos os lados. Encurralados, dispersaram em muitos focos. A polícia continuou encurralando-os por todas as esquinas. O governador conseguiu seu objetivo: transformou um direito constitucional – que vinha sendo exercido de forma democrática e pacífica – em ato de “baderneiros”. A truculência e a violência praticadas pela polícia são inaceitáveis. Estou indignado. Governador: sua tropa de choque parou São Paulo Bufalo. Parabéns! Ministro da justiça: a “baderna” foi obra do Estado e não dos manifestantes. Truculência e ameaça á democracia é o fato de que nas últimas duas décadas a tarifa do transporte público em SP subiu o dobro da inflação no compasso do caos da mobilidade urbana. Privatizaram tudo e o lucro foi para o bolso de empresários. Isso é que é violência, governador. Minha vontade é de ir para as ruas.
E. F., cidadão paulistano

Sinto que está apenas começando.
Hoje eu fui na manifestação tarifa zero.
Fomos eu, Daniela Teixeira, Thiago Mundano, Tulio Kengi Malaspina, Haldor Omar e André Takahashi, partindo da Estufa as 17:30. Pegamos um onibus na vila madalena e fomos ate consolação, parada pelo transito. Ao descer, mais 3 pessoas que estavam no onibus desceram conosco para o protesto. No trajeto ate o teatro municipal, a multidão foi juntando. pessoas de diversas idades e classes sociais, todas reunidas.
Sentimento de indignação reprimida, de descontentamento borbulhante, de revolução iminente - o aumento da tarifa é só um catalisador.
Ao chegar no teatro, a marcha ja tinha saído. Milhares de pessoas na rua, ate onde o olho conseguia ver. corredores de policias, prontos para atacar.
Ja no inicio, manifestantes eram pescados da multidão por grupos de policiais, abordando de forma incisiva e planejada.
Um cheiro de emboscada no ar.
Ao chegarmos na consolação, frente a praça roosevelt, um muro fardado nos esperava.
Ate esse momento eu nao havia presenciado nenhum tipo de vandalismo. pelo contrario, flores no cabelo que cobriam caras esperançosas e apreensivas, coros quase que ensaiados justapostos ao ar de preocupação.
Assim que a massa se aproximou do muro, a repressão começou, recebido por um grito unificado de "Sem violência!". Rastros de bombas de gás cobriram o ceu iluminado por sirenes, e fumaça pouco a pouco subia, cegando a todos os presentes. A reação variava entre pânico, desespero e raiva.
Nesse momento nosso pequeno grupo, unido desde o começo, se encontrou com a Júlia da Fonseca e o Pablo Capilé, entoando um grito de calma, por breves instantes, qdo o veneno das bombas foi mais forte que a vontade de resistir.
Ao recuar, uma outra ofensiva policial pronta para fechar o cerco se aproximava. Parte da multidao se dispersou para a praça roosevelt, outra parte na rego freitas, onde havia uma brigada de primeiros socorros heroica armada apela MATILHA CULTURAL.
Nesse instante as ofensivas avançaram dispersando a multidão, e a brutalidade policial desencadeou o vandalismo dos manifestantes.
Ao buscar um caminho para reagrupar, só barricadas da policia, tornando a missão suicída.
Constantemente, bombas explodiam pelo ar, interrompendo o som dos helicópteros.
Quem vinha, vinha atordoado, quem ia, ia com medo.
ao encostar num boteco, o choque foi grande com a cobertura da mídia, acusando os "baderneiros", com sua retorica incisiva, distante e sensacionalista. o termo terrorismo foi usado. a persistencia no fato que existiam rumores que 1 policial havia sido machucado gravemente. Na matilha, mais de 50 foram socorridos.
Nesse hora comecei a receber mensagens da Juliana Nolasco Ferreira e do @vinicius russo, relatando os pontos de tensão. Decidi não retornar, por medo de entrar numa emboscada.
Deixo aqui meu breve e sincero relato, de alguém que estava lá e viu, de perto, a realidade.
Bravos os brasileiros que foram
Bravos os brasileiros que lutam pelos seus direitos
Bravo!
Estarei em todos os próximos, e convido a todos que ousem lutar por algo a nos acompanhar. Sinto que está apenas começando.
C. T., cidadão paulistano

Acabei de voltar do ato e nunca vi tanta repressão. A PM não deixou a manifestação subir a Consolação (que ela fechou pro choque) e recebeu pessoas gritando "Sem Violência" e com flores nas mãos com bomba e bala de borracha. Correria, cada turma subiu por um lado (Angélica e Bela Cintra). O que vi? Muitos motoristas buzinando ao som das palavras de ordem, outros tantos emputecidos querendo sair dali, e, dentre as 1000 pessoas que segui, cruzei com 2 anarcos gritando "É vandalismo" - ao que reagi pra ser chamada de burguesa e quase levar uma voadora de um menino de 16 anos. Depois da sétima correria, com a bomba explodindo nas minhas costas, voltei pra casa, com medo, pela primeira vez na vida, de sair na rua pra reivindicar uma coisa na qual acredito. Agora que vi a foto da repórter da Folha, tenho certeza de que meu medo tinha razão de ser. Talvez agora, com tanto jornalista preso e machucado, as pessoas comecem a entender o papel que a PM ocupa nos atos. A liberdade de expressão está sendo ferida desde o primeiro ato, na prisão de anônimos pra desmobilizar o movimento. Minha única certeza depois de hoje, é que a covarde dessa história não sou eu.
B. C., cidadã paulistana

NÃO ACREDITEM NA TV!!!
EU ESTAVA LÁ!
Eu vi uma manifestação que só não era mais lotada que a Sé no horário de pico. Mas muito mais organizada, com certeza.
Estávamos subindo a Consolação, cantando, pulando, tudo tranquilo, os motoristas nos carros que estavam no caminho buzinavam nos apoiando, NENHUMA depredação.
Passaram uns 20 soldados da tropa de choque do nosso lado, correndo para a frente da manifestação, todos já se assustaram e começaram a gritar "Violência não". Em minutos bombas de gás lacrimogênio explodiram, policiais à frente, policiais atrás, ficamos encurralados na praça Roosevelt. À partir daí foi um salve-se quem puder.
Corri por uma rua ao lado da praça para longe das bombas e vi diversos carros de polícia vindo no sentido contrário.
RESUMINDO: Covardia dos policiais! Se aquilo virou uma "praça de guerra", é só ver: quem estava preparado para a guerra? Com bombas, armas escudos e capacetes? Os manifestantes não, com certeza.
70 presos. Querem ganhar na base do medo. Eu tenho medo, medo da violência policial. Mas minha coragem de estar lá nos próximas manifestações será maior.
A quem ainda acha que "é tudo baderna, vandalismo", convido a comparecer a uma manifestação, ver as coisas além das lentes de TV, e tirar suas próprias conclusões.
COMPARTILHEM ESSE DEPOIMENTO, as mentiras dos telejornais não podem ser maiores que as verdades das ruas.
B. A., cidadão paulistano

Estava à frente da manifestação, vi a PM abrindo a Consolação pra massa subir após negociação, eram 2 carros e várias motos fechando. Eles liberaram...
Vou pegar uma cervejota no primeiro bar da maria antonia, preparando pra subida.
De repente, da Cesário Mota, uns 10 PMs com escudo aparecem e fecham a Maria Antônia. Não havia nenhuma hostilidade! Os caras se juntaram, ombro com ombro. Pensei “é merda”.
Começam que nem doidos a atirar bomba pra todo lado, inclusive pra rua q estava vazia.
A PM começou a merda, ninguém me contou, vi a cena a 5 metros.
P. E., cidadão paulistano

Vou relatar até aonde eu consegui seguir a Manifestação contra o Aumento da Passagem hoje dia 13/06, por favor repassem ao máximo!
Nos reunimos no Theatro Municipal, gritos de protesto, muito tambor batendo, muitas pessoas, muitas MESMO. Saímos de lá e pegamos a Avenida Ipiranga, até ai tudo tranquilo, eu fui primeiro no meio da manifestação e depois fui a frente junto com a bandeira principal. Da Ipiranga seguimos até o começo da Consolação, parando por vezes para reunir o pessoal, na Consolação, perto da igreja e da praça Roosevelt a coisa começou a pegar, tentaram negociar para a polícia deixar a gente subir, quando a tropa de Choque veio pela direita, próximo a Rego Freitas, e ai começou.
Bombas de efeito moral que se seguiram por de gás lacrimogênio, meus olhos ardiam, mas doía mais por saber que não tínhamos feito NADA, só estávamos protestando, batucando e exigindo o direito de todos! Alguns revidaram, mas logo foram contidos, muitas vezes voltamos e fomos a frente no meio da Consolação, mas mesmo assim choviam bombas e balas de borracha. Não dava. Nessa hora meus olhos já lacrimejavam. Alguns jornalistas estavam ilhados no meio da Consolação cobrindo e provavelmente foram esses que foram alvejados conforme matéria que já saiu na imprensa.
Seguimos então pela Caio Prado e após pela rua Augusta subindo, viramos na Antonia de Queirós e seguimos pela Bela Cintra, mesmo os carros parados, alguns muitos nos apoiavam e buzinavam pra ajudar a fazer barulho, a galera no prédio batia palmas e seguíamos com flores que haviam sido distribuídas anteriormente, fomos até a Fernando de Albuquerque e tentamos entrar na Consolação de novo, quando começamos a subir desceu o Choque que estava na Paulista com a Consolação esperando. Voltamos correndo pela mesma rua devido as bombas e as balas, mas não entramos na Bela Cintra, quando estávamos chegando na Augusta novamente o Choque, voltamos e aqui corro no risco de nomear as ruas erroneamente porque o Choque estava a frente jogando bombas e atrás também.
Sim! Fomos ENCURRALADOS ENTRE DUAS RUAS SEM CHANCE DE DEFESA E FUGA.
Mesmo assim seguimos em frente ao Choque e pegamos a direita acredito que na Haddock Lobo, viramos e os grupos já haviam se dispersado.
Durante a subida mesmo correndo do Choque vi um menino que parou para avisar uma senhora idosa que estava na porta de casa para entrar e fechar as janelas pra se proteger do Choque. Seguimos por algumas ruas até subir a Peixoto Gomide, perto do Trianon, e aí sim.
PARAMOS A PAULISTA.
Cabe ressaltar que não estávamos destruindo NADA e nosso grito de guerra era "Sem Violência!". O que alguns aprontaram pelo caminho muitos arrumaram.
Conseguimos permanecer por uns 5 minutos e lá vem o Choque de novo, sem cerimônia, sem nem pestanejar, já tacaram bombas e ai corri mais uma vez, já não aguentava mais correr, operei a perna a 3 meses e ainda me recupero, não sei da onde tirei forças, e ai cedi, entrei no Trianon e embarquei na linha Verde para a Consolação.
Na Consolação desci e no meio da estação já a correria e pessoas passando mal com o gás que havia entrando dentro da estação, um outro grupo foi pego por lá, pessoas que não tinham nada a ver foram alvejadas por balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Ajudei um trio que falava espanhol e uma menina passando mal, ofereci água, o pouco que ainda tinha, conversei um pouco pra saber se eram da Manifestação e confirmei, não eram, estavam passando e conforme relataram já chegaram tacando bombas e atirando.
Dali segui pela linha Amarela, Vermelha e enfim casa.
Esse é o meu relato, embarquei no metrô um pouco mais que 20h30. Pessoas me olhavam, conversavam, algumas falavam alto que queriam ver isso na época da Ditadura. Simples eu estaria lá também.
E no próximo eu estar
ei de novo!
L. B, cidadã paulistana

22 de abril de 2013

Thiago Alves: Na Amazônia, aumenta a intimidação a movimentos sociais


Assembleia de atingidos pela usina de Belo Monte. Foto: MAB
por Thiago Alves*, no site do MAB, via e-mail (22 de abril de 2013)

Enquanto avança a luta dos povos amazônicos contra o modelo de desenvolvimento que beneficia apenas uma minoria, o Estado brasileiro aprofunda o autoritarismo, criminaliza as organizações e espalha o medo na população. Dois episódios ocorridos no início de abril confirmam como o Estado e suas instituições são o braço forte que protege o interesse das grandes empresas que destroem a natureza, concentram riqueza e violam direitos humanos.

Em Altamira, oeste do Pará, a juíza Caroline Slongo Assad, da 4ª Vara Civil da Comarca local, expediu na semana do 14 de março, Dia Internacional de Luta Contra as Barragens, um interdito proibitório contra o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento Xingu Vivo para Sempre, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

Atendendo ao pedido do Consórcio Norte Energia (NESA) e do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), a juíza proibiu que fosse feita qualquer manifestação próxima às instalações de Belo Monte, com o argumento de que o MAB intimida funcionários e representa ameaças para um empreendimento que é “de grande importância para o país e de grandes proporções, sendo por isso um dos alvos prioritários dos réus neste momento”.

Na mesma semana foi publicado o decreto presidencial de nº 7.957, que instituiu o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente (GGI-MA), regulamentou a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e apontou as funções da Força Nacional de Segurança Pública no que se refere “ao aumento da eficiência administrativa nas ações ambientais de caráter preventivo ou repressivo”.

Com base neste decreto, o Ministério de Minas e Energia, com o apoio jurídico da Advocacia Geral da União (AGU), encaminhou ação militar denominada Operação Tapajós. Mais de 250 membros da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional de Segurança Pública e das Forças Armadas desembarcaram em Itaituba, também no oeste do Pará, e depois se dirigiram para as proximidades da terra indígena Munduruku.

O argumento do governo é que havia a necessidade de garantir a segurança dos mais de 80 técnicos durante o mês de estudos de viabilidade da obra que só poderiam ser realizados com a cheia máxima do rio no inverno amazônico. O exagero da Operação foi reconhecido pela Justiça, que no dia 16 de abril suspendeu a expedição e exigiu que indígenas e comunidades ribeirinhas fossem consultados previamente sobre as obras projetadas.

Autoritarismo, intimidação e violência: esta é a linguagem das grandes empresas quando o assunto são os direitos humanos. Assim está claro também nas manifestações de trabalhadores de Belo Monte que quando lutam por dignidade, respeito e melhores condições de trabalho são duramente reprimidos pela mesma Força Nacional de Segurança Pública, com métodos semelhantes aos praticados na ditadura.

Estes episódios mostram para o conjunto das organizações que é preciso fortalecer a articulação, o trabalho de base e a denúncia permanentes porque o grande capital aprofunda seus interesses dentro do Estado brasileiro, utilizando-se de todos os instrumentos jurídicos e militares para amedrontar a população e criminalizar os movimentos sociais.

É tempo de não ceder à intimidação, denunciar a violação do direito à informação e à livre manifestação garantida na Constituição Brasileira e em diversas leis internacionais e, sobretudo, mostrar para os inimigos do povo e seus aliados que na Amazônia a luta ficará ainda mais forte no campo e na cidade, construindo a resistência e buscando um modelo de desenvolvimento com participação e à serviço do povo.

*Thiago Alves é integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

13 de abril de 2013

Violência e desrespeito aos direitos no Brasil

Cada vez que um novo crime envolvendo um menor de idade comove o país, ressurge o debate sobre a redução da maioridade penal. Trata-se de uma reação imediata (portanto intempestiva), apressada (portanto imatura), passional (portanto irrefletida), que teve como reação uma série de artigos e posts em outros blogs buscando mostrar que não há uma relação real entre o problema apontado - a criminalidade praticada por menores de idade - e a solução proposta - a possibilidade de esses menores serem condenados à prisão comum. Numa série de charges, o cartunista Angeli ironiza a redução da maioridade penal adotando um procedimento muito simples: levando a ideia ao limite. Como li em algum comentário por aí, o que aconteceria se a redução estabelecesse o limite de idade para 16 anos (em vez dos atuais 18) e um crime parecido fosse cometido por um adolescente de 15 e 11 meses? Reduziríamos novamente para abarcar mais este "delinquente"? De redução em redução, chegaríamos então ao seguinte:
Acho que há duas questões centrais na defesa da redução da maioridade penal que devem ser discutidas: uma é a ideia de que a maioridade de 18 anos "protege" ou "encobre" os crimes praticados por pessoas menores do que a idade limite. A segunda é a ideia de que é possível reduzir a idade porque menores de 18 já têm "consciência de seus atos", ou seja, "sabem o que estão fazendo".
Vou aqui me concentrar na discussão do primeiro ponto, e para isso reporto-me ao trabalho da professora Teresa Pires Caldeira, em seu livro Cidade de Muros. Resumindo muito o seu argumento, o que temos é que a ausência de direitos efetivos para toda a população resulta na ideia de que direitos são um "privilégio". Historicamente, as classes dominantes monopolizaram esses direitos e "privilégios". Os direitos humanos não eram estigmatizados quando se tratava de lutar pela redemocratização e fim das prisões políticas de integrantes da classe média. A associação de "direitos humanos" com "defesa dos bandidos" ganhou corpo quando as lutas pelos defensores dos direitos humanos passaram a reivindicar a universalização de direitos (civis, políticos e outros). A denúncia de que os crimes tidos como "exceções" do regime militar eram, na verdade, práticas corriqueiras de opressão da população mais pobre ampliou o universo daqueles a que se pretendia conceder direitos. A reação a essas lutas partiu de antigos defensores do regime militar (como Afanásio Jazadji - precursor e modelo dos ratinhos e datenas atuais) que, com acesso à mídia, propararam um discurso de que esses direitos resultariam em aumento da insegurança porque garantiriam a proteção de "bandidos". Num momento de crise econômica (a grave recessão do início dos anos 80) com enorme aumento do desemprego e da insegurança estrutural de trabalhadores, inclusive de classe média, boa parte da população acabou absorvendo a ideia de que os defensores dos direitos humanos pareciam se importar mais com os "bandidos" do que com os "trabalhadores de bem" que, naquele momento (e de forma constante nos anos 80 e 90), viam seus próprios direitos serem precarizados e subvertidos por uma ordem econômica perversa. Uma retórica do ressentimento justificou, então, o argumento de que os "bandidos" eram "protegidos" por pessoas que não "se importavam" com as pessoas "honestas", como se os "privilégios" da classe dominante tivessem sido concedidos à população pobre à custa da exclusão das classes médias. Como resposta, em lugar de apoiar a ampliação generalizada dos direitos, uma parcela dessa classe média passou a defender a manutenção dos direitos apenas para privilegiados (incluindo-se entre eles, é claro) e a oposição a qualquer ampliação de direitos da população mais pobre.
Nos anos seguintes, o Brasil passou por um período de violenta concentração de renda (resultado da "hiperinflação" dos anos 80 e das práticas neoliberais implementadas durante a década seguinte), que se traduziu na restrição ainda maior das oportunidades de melhoria de vida da população pobre. Em paralelo, a ideologia individualista do neolliberalismo legitimava a noção de que o progresso é o resultado do "mérito" individual (esforço, trabalho, dedicação e outras qualidades pessoais), sem levar em conta condições sociais mais amplas, como as diferenças na rede de oportunidades à disposição dos diferentes grupos sociais, o capital social de cada grupo, entre outras. Mas uma vez, a luta por melhorias das condições sociais e de democratização dos serviços públicos e estruturas sociais (uma ampliação das oportunidades de ascensão social) foi entendida por aquela parcela mais conservadora da classe média e das elites como uma extensão de "privilégios", portanto uma injustiça para com os trabalhadores médios, para quem restava apenas o esforço individual. O ressentimento recrudesceu.
A velhíssima equivalência entre "pobres" e "criminosos" obscureceu a visão de que a ampliação dos direitos coletivos visava a uma redução de desigualdades estruturais e historicamente persistentes da sociedade brasileira. Para isso colaboraram as imagens das favelas, as notícias sobre o tráfico, a amplificação de notícias que retratavam a violência de jovens e pobres contra trabalhadores e "pessoas de bem" inocentes. Misturando e equivalendo todas essas mensagens, criou-se uma "cultura do medo" que tinha como resposta o enclausuramento e a formação de enclaves fortificados e protegidos (convenientemente disponibilizados pelos empreendedores privados, desde condomínios fechados até segurança privada), a reivindicação de maior "controle" e "punição" dos crimes e o maior disciplinamento da população pobre.
Resta discutir a outra questão por trás da reivindicação de redução da maioridade penal: os menores de idade "sabem" ou não o que estão fazendo? Fica para o próximo post.

28 de março de 2013

Militares x torturadores

Numa série de reportagens muito interessantes e importantes, a Rede Brasil Atual vem mostrando relatos de militares que se opuseram à ditadura instaurada em 1964 (confira aqui), e o preço que pagaram por isso. Torturas, perseguição, destituição, ostracismo... Não, nem todos os militares foram favoráveis ao regime, nem todos foram torturados (alguns, como vemos, foram também torturados), e nem todos se alinhavam ao pensamento retrógrado que acabou por prevalecer.
Ao que parece, as dissidências foram purgadas da corporação, e não sei dizer até que ponto a discordância tem espaço entre os militares ainda hoje. Basta lembrar que, todo ano, o Clube Militar continua celebrando a "Revolução de 31 de março", e continua destilando o seu ódio contra as esquerdas, os programas reformistas (e nem estamos falando de "revolução"), os movimentos sociais, e toda tentativa de democratização ampla da sociedade.
Esse anacronismo só faz mal ao país, começando pela própria corporação: que legitimidade tem para a população essas forças armadas que continuam combatendo "comunistas" ou "terroristas" em pleno regime democrático?
O pior é pensar nas resiliências: muitos dos oficiais que implantaram a ditadura em 1964 eram originários da ditadura anterior (o Estado Novo), as técnicas de tortura e de "inteligência" (espionagem) que foram desenvolvidas e aplicadas nesse período se mantiveram na democracia (dita "populista") que se seguiu, e foi só retomada e reforçada no regime militar que se seguiu. Qual a chance de vermos isso acontecer de novo, uma vez que ex-apoiadores da ditadura militar continuam aí, ativos e cada vez mais explícitos na defesa do Estado de exceção?
E, enfim, os verdadeiros inimigos da democracia precisam ser identificados com mais clareza. Apontar apenas para os militares é redutor, simplista e - o que é mais perigoso - ilusório.

11 de março de 2013

Violência no trânsito: muito mais do que um problema de embriaguez

A recente notícia de um atropelamento de ciclista na avenida Paulista, que resultou na amputação do braço da vítima tem gerado uma onda de protestos e de manifestações acaloradas. Quis aproveitar o "evento" para discutir uma questão que tem sido tratada mais com paixão do que com razão.
Há uma campanha sistemática em defesa da noção de "tolerância zero" com relação ao consumo de álcool e direção. Não quero aqui fazer defesa dos "bêbados", mas tornar a discussão um pouco mais complexa. Dizem algumas estatísticas que uma porcentagem grande dos acidentes de trânsito envolvem motoristas embriagados. Internacionalmente, vários exemplos de campanhas contra a direção em situação de embriaguez parecem ter resultado em grandes reduções no número de acidentes, o que justificaria então um enrijecimento do controle e da punição aos motoristas que demonstrem estar muito alcoolizados para dirigir. Podemos facilmente concordar com esse argumento, mas isso encerra o problema? Na minha opinião, não.
Eu entendo que o problema é mais complexo, e envolvem variáveis "externas", como é a ingestão de bebida alcoólica, e "internas", como o que Luana Soncini denominou "uma cultura de desprezo - em variados graus - pela vida de pessoas que não sejam seus pares".
Se ficássemos apenas nas causas "externas", já teríamos uma lista de substâncias que, assim como o álcool, alteram e prejudicam a percepção e os reflexos: por exemplo, os cada vez mais comuns (infelizmente) remédios psiquiátricos (antidepressivos ou ansiolíticos), anti-histamínicos, por exemplo. Drogas perfeitamente legais, que também limitariam o uso do automóvel e que não são controladas neste aspecto. Sim, o consumo de bebida alcoólica é mais generalizado, mas há um problema de estatística a resolver: dos casos de acidentes não relacionados a bebidas alcoólicas, quantos seriam relacionados a outras substâncias? Das relacionadas, idem.
Poderíamos incluir ainda como causa "externa" os transtornos da população paulistana atual? Uma pesquisa recente mostra que 3 a cada 10 paulistanos sofrem algum tipo de transtorno mental (ansiedade, depressão ou outras). Muito frequentemente se atribui ao trânsito uma das causas desses problemas, mas cabe perguntar também quanto desses transtornos não repercutem também no nosso "caos" diário? E o que dizer da estafa por excesso de trabalho (ou de preocupação com ele)? Quantos profissionais hoje em dia circulam diariamente entre visitas, reuniões, prestação de serviços, etc? Cansaço e ansiedade, sabe-se, podem facilmente aumentar a distração, a dispersão, a desatenção.
Por fim, cabe ainda perguntar em que medida não se pode relacionar a violência dos acidentes ao fato de que temos carros cada vez mais velozes, com maior capacidade de aceleração, etc. Ou seja: cada vez mais, os carros exigem um piloto no limite de seus reflexos. Qualquer déficit mínimo na atenção ou na capacidade de reação é suficiente para provocar um acidente fatal, por exemplo.
Somente esses poucos exemplos deveriam bastar para mostrar que o problema dos acidentes e violência no trânsito deveriam ser avaliados de uma forma muito mais requintada e complexa. E nem cheguei a tratar das causas "internas", para mim as realmente decisivas (um motorista desrespeitoso, violento ou imprudente não precisa estar - e muitas vezes não está - embriagado para causar acidentes). Mas essa avaliação mais sutil levaria, necessariamente, a repensar a sociedade atual de uma forma que, provavelmente, a maioria não estaria disposta a fazer. Especialmente aqueles que se beneficiam do estado de coisas atual ou que, por alguma razão, não querem se dar ao trabalho de uma reflexão mais "radical".

7 de março de 2013

Politicamente incorreto, moralmente correto?

Parece contraditório, mas não é: a virulência de certas opiniões manifestas em defesa de uma suposta "liberdade de expressão" é paralela a um impulso igualmente forte de estigmatizar e condenar qualquer tipo de "conduta desviante" ou moralmente "condenável".
De um lado, são tratados com impaciência ou hostilidade aqueles que se levantam contra diversas formas de opressão cotidiana, como o racismo ou o sexismo. São acusados de "intolerância", ou de "autoritarismo", de quererem calar quem pensa diferente deles. Mais apropriadamente, são pressionados a deixar que manifestações racistas, machistas ou homofóbicas sejam veiculadas sem nenhum tipo de responsabilização, sem sofrerem críticas ou desmentidos.
De outro lado, a defesa de direitos humanos ("pra bandidos", como muitos se apressam em acusar), ou de manifestações políticas em espaço público, da reivindicação coletiva por direitos sociais, são rapidamente rotuladas como coisa de quem "não tem o que fazer". Se falamos então de comportamentos que fogem aos padrões normativos dominantes ("normal", neste caso, deve ser remetido a sua origem etimológica: o que segue a norma. Não tem nada a ver com "natural", por exemplo), a condenação é imediata. Usuários de drogas, criminosos, praticantes de formas alternativas de sexualidade, ateus, socialistas, são simplesmente indignos de qualquer consideração, solidariedade, respeito. Devem ser rápida e, se necessário, violentamente enquadrados e endireitados.
O que há em comum é o forte desejo de manutenção, de conservação. As regras devem ser mantidas a qualquer custo. Os costumes arraigados são confortáveis, seguros... portanto, necessários. Há que defendê-los de todas as formas possíveis. Pensar alternativas é custoso, doloroso e ameaçador.

18 de fevereiro de 2013

O Neo-higienismo


Se Brecht viveu em tempos sem sol, é possível supor que os tempos em que vivemos são de uma preocupante penumbra. Há muito o que comemorar pelo fim da "Era Serra-Kassab", mas apenas a eleição de Haddad não é suficiente para acreditar que os tempos "neocons" estão ultrapassados.
É que a onda conservadora há muito nos atingiu em terras paulistas. Tem muitos exemplos disso (veja alguma folha qualquer por aí, no estado em que encontrar, e você terá amostras de sobra). Mas o que interessa aqui é tratar de um aspecto particular desse conservadorismo que diz respeito especificamente ao espaço urbano brasileiro. Resolvi chamar esse fenômeno de "neo-higienismo", por ter grandes e preocupantes semelhanças com a ideologia do início do século passado.
Este é apenas um post introdutório, e pretendo deixar o leitor com a pergunta no ar. "Higienismo"? Que é isso? Para quem não quiser esperar futuros posts sobre o assunto (não sei quando virão...), sugiro buscar a palavra nas revistas online disponíveis no site Scielo, onde uma série de artigos importantes de pesquisadores de História da Ciência e/ou da Arquitetura e Urbanismo tratam do assunto. Ou, se o leitor me permite um pouco de autopromoção, o assunto é mais longamente discutido em minha dissertação de mestrado. Para quem se contenta em tomar agora apenas o aperitivo enquanto aguarda o prato principal, fica uma primeira tentativa de "definição", sem muito rigor acadêmico: higienismo pode ser entendido aqui como uma ideologia que legitima com a ideia de "saúde" a intervenção no espaço urbano, não importa quão autoritária seja, convertendo em uma questão médica o que seria fundamentalmente uma questão social (humana) - portanto política. Algumas características dessa ideologia:
  • A vinculação entre saúde e moralidade;
  • A dicotomia entre "o bem de todos" e o "interesse individual(ista)";
  • O discurso científico como fuga ao debate político;
  • Truculência e intransigência na intervenção urbana.
Na medida do possível, e da forma mais sucinta que eu for capaz, tentarei futuramente discutir esses pontos, que merecem atenção. Se ficar devendo por muito tempo, por favor cobrem!

Uma "nova" marginal sob os velhos conceitos

Em 2009, foi divulgada moção contra o então projeto de ampliação da Marginal Tietê proposto pelo governo e prefeitura de São Paulo. A moção foi voz dissonante e voto vencido, a marginal foi realizada. E a maior parte das críticas ali feitas se mostrou acertada. Por isso, vale a pena rever esse texto, e que fique registrado que São Paulo nem sempre quer ser o horror - só seus donos querem isso.



MOÇÃO SOBRE A NOVA MARGINAL, SEUS DESDOBRAMENTOS E SUAS ALTERNATIVAS


ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS (AGB); SINDICATO DOS ARQUITETOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SASP), ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ARQUITETOS PAISAGISTAS (ABAP), GRUPO DO PATRIMÔNIO DO INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL - SP, MOVIMENTO DEFENDA SÃO PAULO

texto criado e escrito pelo arq. José Fabio Calazans e a geografa Regina Bega com importante colaboração arquitetos Saíde Kahtouni, Vasco de Mello e Daniel Amor.

SEGUNDO SEMESTRE DE 2009

Nós, arquitetos, urbanistas, planejadores, geógrafos, arquitetos paisagistas, engenheiros, ecologistas urbanos, ambientalistas, outros profissionais afins e participantes dos Movimentos Populares da Cidade, abaixo assinados, achamo-nos no dever profissional, cultural e cidadão de manifestar a nossa total perplexidade e repúdio ao projeto e às obras ainda no início da Nova Marginal do Tietê, com drásticas conseqüências à “Ordem Urbanística” e ao Meio Ambiente, não só da Capital, mas de toda a Metrópole de São Paulo. Por este projeto, esta via, ao longo de vinte e três quilômetros, a partir do Cebolão até a região da Penha, fica quase que totalmente destinada aos veículos que simplesmente cruzam a cidade, com a possibilidade de cobrança de pedágio nas chegadas e saídas, sendo que esta função tinha sido atribuída exclusivamente ao rodo-anel..

Além disso, nos manifestamos contra o fato deste projeto não ter sido debatido amplamente com a Sociedade Civil, considerando que circulariam, hoje, pela Marginal do Tietê cerca de 700 mil veículos/dia sendo que a sua capacidade atual seria de 350 mil/dia, dado que mostra a gravidade deste problema para a cidade. Tal fato exigiria, pelo menos, o acompanhamento pela Sociedade Civil na elaboração dos projetos que demoraram mais de ano para serem finalizados, para não falar das exigências de se respeitar o artigo 180 da Constituição Estadual que assegura a participação das Entidades da Sociedade Civil na definição das diretrizes e normas nos estudos e soluções dadas, bem como nos seus encaminhamentos para a elaboração de programas, planos e projetos que lhe são concernentes.

Protestamos, também, pelo fato de apenas o Governo Municipal ter realizado uma única Audiência Pública, que além de mal convocada, teve uma dinâmica que não possibilitou o debate, como podem mostrar as gravações. Isto demonstra que os atuais governantes não querem usar as soluções apontadas a partir do Plano Diretor em vigor, que prevê a construção de duas vias paralelas às marginais leste-oeste do Tietê, em boa parte do trecho da Nova Marginal, para contribuir com a diminuição do tráfego da Marginal atual, auxiliando para retirar da mesma o tráfego de caráter local e sub-regional e, ainda, permitir o seu uso como variante em caso de necessidades emergenciais.

Protestamos, ainda, pelo fato de que as comparações com estas alternativas, atendendo as exigências do EIA RIMA, terem sido feitas com uma análise que compara a diminuição do fluxo de passagem (com a construção da Nova Marginal) com a simples consequência no tráfego da Marginal, caso sejam construídas as vias de apoio norte e sul e algumas variantes. Comparações feitas a partir do raciocínio de que sejam simples avenidas, sem examinar no que elas possam se transformar se nelas forem aplicados os recursos destinados à Nova Marginal Isso muda por completo o que é possível se construir nestas vias de apoio e em eventuais variantes.

Propomos, portanto, a possibilidade de um acordo, atendendo as exigências legais de que é necessária a apresentação de uma alternativa e, atendendo, também, o artigo 180 da Constituição Estadual, para que seja composta uma equipe em parceria com técnicos e representantes da DERSA, do Governo Estadual e do Governo Municipal, junto com igual número de delegados representantes das Entidades da Sociedade Civil, que têm lutado por outro encaminhamento na solução dos problemas de tráfego na Marginal do Tietê. Esta equipe terá como atribuição a definição das diretrizes e normas a serem respeitadas na construção das vias de apoio norte e sul, desde que também sejam aplicados nestas vias paralelas às marginais e sua variantes, os mesmos recursos destinados à Nova Marginal, de acordo com normas e diretrizes a serem obedecidas por todas as alternativas estudadas, inclusive as simples adequações das marginais atuais.
Desde já submetemos aos Governos Estadual e Municipal algumas diretrizes e normas que deverão ter que ser decididas por ambas as partes por qualquer uma das alternativas estudadas:

1.Tendo em vista de que qualquer alternativa que for adotada, todas as soluções encontradas deverão estar de acordo com um Plano Global de Circulação da Metrópole cujas diretrizes e normas deverão também ser elaboradas por uma equipe em Parceria entre Estado e Sociedade Civil e serem aprovadas pela Assembléia Legislativa em regime de urgência, mas com a devida participação popular.

2.Independente de qual for o partido adotado para a estruturação dos vários níveis da circulação na Metrópole, consideraremos, desde já, ser uma característica estrutural da Região Metropolitana de São Paulo a criação de um Parque Linear Urbano Metropolitano dos dois lados do rio, com diferentes desenhos em cada trecho, mas mantendo uma Unidade no seu desenho global, independente das características espaciais e paisagísticas de cada trecho. Este parque deverá proporcionar melhor qualidade paisagística com o seu desenho urbanístico, podendo integrar-se ao rio, que futuramente estará limpo!

3.Deverão ser respeitados os canteiros centrais, pelo menos em grande parte, e as distâncias das pistas em relação ao inicio do talude do canal do rio.

4.Não deverá ser destruída a possibilidade da navegabilidade do rio Tietê e a construção de portos e atracadouros no trecho estudado entre a Penha e o “Cebolão”

5.A solução encontrada para o trecho entre a Penha e o “Cebolão” deverá estar de acordo com uma estratégia de médio longo prazo de desativação das marginais e liberação do rio Tietê

6.No caso do estudo detalhado das vias paralelas ao Tietê, as pistas deverão ser construídas parte em fluxo contínuo e parte como avenidas locais e regionais organizadoras das tramas urbanas de suas regiões.

7.Será considerada como ponto de honra que a solução encontrada permita a formação de corredor ou corredores de transportes coletivos, que sejam parte integrante do Plano de Circulação da Metrópole e que tenham a possibilidade de se articular com os sistemas transversais norte e sul que se interligam ao Centro da Capital e ao futuro parque linear metropolitano.

8.Quaisquer das hipóteses encontradas deverão permitir a formação de um circuito integrado de ciclovias.

9.As soluções encontradas deverão ter um resultado equivalente à retirada de todo o tráfego de passagem pela Metrópole, até que o rodo-anel possa ser inaugurado.

10.Serão reestudadas as novas alças do complexo Ponte das Bandeiras e Cruzeiro do Sul, de tal formam que elas tenham um traçado urbano e não rodoviarista, que integrem assim o passado e o futuro.

11.Além disto, elas não deverão obedecer no seu dimensionamento as pesquisas de origem e destino atuais (transformados num fetiche), mas os dimensionamentos previstos com a implementação do novo Plano Diretor Global de Circulação na Metrópole.

12.Na necessidade da construção de novas pontes reveladas por este Plano Global as pontes deverão ser desenhadas como Obras Urbanas como a Ponte das Bandeiras e não como obras de arte rodoviaristas.

13.Há, também, importantes questões geográficas e ambientais em jogo, e que devem ser respeitadas, relacionadas à circulação da população em geral, à hidrografia e aos fatores climáticos (incluindo a poluição, o micro-clima e as ilhas de calor, que poderão se agravar consideravelmente, com o aumento da impermeabilização e a diminuição da cobertura vegetal com o mar de pistas de asfalto, quase sem nenhum sombreamento), não suficientemente aprofundadas e discutidas pelos estudos ambientais no processo de licenciamento das obras em curso. Além de outros aspectos relacionados à maneira açodada, indiscriminada e mal planejada de derrubada das árvores ali plantadas e a proposta de replantio em outras áreas que, ou não comportam tal adensamento, ou poderão ficar distantes e isoladas da dinâmica desta região central da Metrópole e de seus habitantes.

Vimos, desta forma, manifestar igual repúdio à construção de duas alças de acesso para fazer a ligação entre a via expressa da Marginal do Tietê e duas avenidas locais (Av. Tiradentes e Av. Cruzeiro do Sul), que vai afetar profundamente a visão da Ponte das Bandeiras, uma ponte tombada como patrimônio histórico da nossa cidade.

As duas alças viárias pretendidas constituem-se em equívoco maior por diversas razões urbanísticas. Primeiramente, por basear-se em uma premissa estreita, que é reduzir a questão à solução de um problema de tráfego veicular, ou seja, eliminar pontos de estrangulamento de tráfego. Ora, desafoga-se aqui, empurrando para adiante o ponto de estrangulamento – pois a quantidade de veículos circulando não diminui com essa providência. Segundo equívoco: para “empurrar” para outro local o ponto de estrangulamento, projeta-se outros viadutos.

O projeto das duas alças carece de um mínimo de sensibilidade e de compreensão do que seja o caráter da paisagem urbana paulistana daquele trecho da cidade, pois se intromete nas visadas do conjunto da Ponte das Bandeiras, a mais bonita e bem composta, do ponto de vista arquitetônico, das pontes que atravessam todos os rios da cidade de São Paulo.

Outro equívoco: as duas alças foram projetadas considerando, certamente, um fluxo de veículos por hora nestas duas vias e nos períodos de pico, supondo que as Avenidas do Estado, Anchieta, Imigrantes, Vinte e Três de Maio, Nove de Julho e Consolação continuem trazendo todo o tráfego, desde Ribeirão Pires e todo o Grande ABC, além de toda a periferia da Capital na zona sul e sudoeste, para se encontrar no Centro Histórico de São Paulo. Isto de tal forma que, necessariamente, todo este tráfego vai congestionar e atingir as marginais unicamente pelas Pontes da Bandeira e Cruzeiro do Sul, como se não tivéssemos a inteligência de refazer a estrutura metropolitana - para que estes eixos, de suma importância para a cidade, não confluam mais de forma radial e concentradora para o Centro da Capital – criando-se, assim, novas Centralidades ao longo do Parque Linear e Urbano do Tietê, e dentro dele, de modo a espalhar o tráfego pelas vias transversais ao Parque Metropolitano.

Ora, com a possibilidade de criação do Parque Linear Urbano e Metropolitano, dentro de área urbana, transformado em espinha dorsal de toda a estrutura metropolitana, tornar-se-ia possível desviar os eixos que convergem para o Centro da Capital para que se dirijam, em pontos diferentes, para a grande praia metropolitana, onde existirão novas centralidades em cada cruzamento com eixos transversais, que poderão sempre ligar o extremo norte ao extremo sul da trama urbana continua da metrópole. As pesquisas de origem e destino que certamente foram usadas para estes projetos das duas alças perderiam e perderão assim o seu valor aparentemente científico.

Diante de todos estes aspectos, manifestações e proposições, vimos apoiar a petição da Ação Civil Pública para sustação das obras da “Nova Marginal”, destacando para o Poder Judiciário a importância da Liminar, para que se possa fazer um estudo em comum destas e de outras diretrizes para se elaborar um Projeto detalhado das vias de Apoio Norte e Sul, a partir do Plano Diretor e suas eventuais variantes dentro do traçado e do Plano Diretor Global de Circulação a ser elaborado para toda a Metrópole. Os recursos orçados para a construção da Nova Marginal poderão assim ser utilizados para que sejam viabilizadas as duas soluções, com vias de transporte contínuo, duas grandes avenidas ordenadoras do sistema viário em toda a sua extensão, dois corredores de transportes coletivos com alta qualidade e articulados com os eixos norte e sul e que levem ao Centro da Capital e ao futuro Centro Metropolitano, dentro do Parque Linear Urbano e Metropolitano do rio Tietê, e dois sistemas integrados de ciclovias, valorizando também paisagisticamente as margens do rio em seu trecho urbanizado.

Portanto, fazemos um apelo ao Judiciário para que se cumpra a lei, concedendo a Liminar, enquanto é tempo, obrigando o Governo Estadual e Municipal a estudar uma alternativa, como exigem os EIA-RIMAS, para a diminuição do tráfego da Marginal, tanto quanto seria diminuído com a Nova Marginal, privilegiando-se o estudo detalhado das duas vias de apoio paralelas ao rio, parte da lei maior da cidade (Plano Diretor) e que se integrem a um Plano Diretor Metropolitano de Circulação Global para a Metrópole para qualquer uma das duas alternativas. Além disso, o nosso apelo é para que se definam as providências pioneiras para que seja constituída uma equipe paritária, com quorum qualificado, tomando as decisões necessárias para a definição das diretrizes e normas dos planos e projetos a serem elaborados pelos Governos conveniados.

O caráter de todas estas conclusões e proposições exige que se tomem imediatamente as medidas para a paralisação das obras e das suas propagandas enganosas e maciças, apresentadas nas emissoras de rádio da Metrópole, segundo as quais o paulistano vai receber mais seis pistas na Marginal e o tempo de viagem será reduzido à metade.

Acreditamos que a realização dos necessários estudos simultâneos, possa fazer parte de uma estratégia de médio e longo prazo, que tenha como resultado a liberação do Tietê de suas marginais ainda na metade deste século. Com isso, poderá se tornar viável para todas as classes sociais a ampla liberdade de circulação por toda a metrópole, assegurando a possibilidade de acesso a transportes coletivos adequados e o resgate dos córregos e rios mais importantes. Tudo isso, sem prejuízo de que mais cidadãos possam ter os seus automóveis cada vez mais baratos, mas sem competir com a universalidade dos transportes coletivos e acessibilidade e mobilidade para os pedestres, considerando-se todos os moradores da metrópole de todos os extratos econômicos, inclusive com sistemas de transporte de bairro capazes de trazer os sistemas de circulação inter-regionais até cada unidade de vizinhança.

Assim, estaremos nos alinhando àquelas grandes metrópoles do mundo – veja-se o recente exemplo da cidade de Seul, Coréia, visitada pelo Prefeito de São Paulo no mês de maio – aonde os rios vêm merecendo tratamento oposto: como marcos hidrográficos e estruturais do território urbano, e apropriados como elementos de qualificação da paisagem e da estruturação urbana, inibindo-se a conexão com o automóvel e incentivando a conexão com os transportes coletivos inclusive fluviais, com o pedestre, com a vegetação e os Espaços Urbanos. São ações que, se realizadas, possibilitarão, a médio e longo prazo, devolver o rio Tietê ao pedestre e às circulações de dentro do Parque, com sua extensão de noventa quilômetros, desde Mogi das Cruzes até Itapevi, articulando-se estas vias internas aos futuros portos do rio, que poderá e deverá ser navegável nas próximas décadas.

Metrópole de São Paulo, 1 de setembro de 2009

Escadaria musical


Hoje já não é tanta novidade, mas quando postei pela primeira vez, no blog Cidade Artefato, tinha acabado de ser realizada esta intervenção.

Interessante como vem se difundindo essa prática de uma forma de arte que consiste essencialmente em subverter a "ordem cotidiana" da vida nas cidades!

A ação, feita em conjunto pela agência de publicidade DDB e pela Volkswagen, foi implantada em um metrô de Estocolmo, na Suécia.
Imagine que você está descendo as escadas do metrô, como faz habitualmente todos os dias, e começa a ouvir sons de piano, tocados em ritmo que vai de acordo com os seu passos. Essa foi a proposta da agência de publicidade DDB
em uma parceria com a Volkswagen.

As duas empresas se reuniram para criarem um experimento chamado, Fun Theory (algo como "teoria divertida", em inglês), uma tentativa bem ambiciosa de tentar mudar os hábitos sedentários dos moradores da capital da Suécia, Estocolmo.

Para isso, transformaram as escadas de uma estação de metrô em um piano, o que aumentou surpreendentemente o uso das escadas em 66%.
O resultado você confere no vídeo.